Brincante. (Documentário); Elenco: Antônio Nóbrega, Rosane Almeida; Diretor: Walter Carvalho. Brasil, 2014. 92Min.
“Brincante” é uma obra cinematográfica pertencente a categoria de documentário. Versa sobre a vida /obra de Antônio Nóbrega. Um artista completo que canta, dança, interpreta, toca bateria, rabeca, violão, violino e é compositor e patrimônio da cultura popular brasileira. Um pernambucano de sessenta e dois anos que estudou em boas escolas teve uma formação musical clássica e erudita, até encontrar na década de setenta Ariano Suassuna, que viu Antônio Nóbrega tocar Bach e o “desencaminhou” de vez. A partir daí, Antônio passou a integrar o quartetoArmorial e entrar em contato com a cultura brasileira. Não aquela midiatizada, de massa. Mas, a genuína, um recorte da cultura ocidental mexida pelo jeito brasileiro, com cara e cheiro de Brasil. Mas, se você quiser saber os detalhes da trajetória de Antônio Nóbrega, desconhecido do povão consumidor de televisão, vai ter que pesquisar, porque o inusitado do documentário “Brincante” é a ruptura do modo de narrativa.
Walter Carvalho, conhecido por seus documentários sobre músicos como ” Raul – o início o fim e o meio”, “Cazuza – o tempo não para” não utiliza narrativa em off, nem o estilo jornalístico de entrevistas, nem a tão comum modalidade do personagem contar a sua história. O diferencial de “Brincante” é que Antônio Nóbrega é apresentado através de sua própria obra, suas composições, suas apresentações teatrais, seus instrumentos musicais, sua poesia, suas performances como dançarino e cantor.
“Brincante tem a ousadia de ser um espetáculo circense dentro do cinema, e nem por isso deixa de mostrar a migração do nordeste para São Paulo, a formação da família, a itinerância, o momento de decisão pela vida artística, num afã de enlouquecimento com uma realidade sufocante – nascimento de “Tonheta”- a ocupação do espaço brincante em São Paulo, a mágica da vida acontecendo e a morte. “Brincante” aposta no lúdico e viaja sobre o universo artístico mostrando as músicas e as danças da cultura popular brasileira regional, tem maracatu, reizado, frevo, forró, baião, dança afro, capoeira, chorinho e até a bossa nova dá seu ar da graça. A mistura de linguagens oferece o teatro, a literatura de cordel, a poesia e a dança.
Atemporal, “Brincante” é a digital de alma de um “franco aprendedor” como Antônio Nóbrega gosta de se chamar. E para além disso, fala de seu protagonista pelo veio da ação. É uma obra de arte em todos sentidos, não só por apresentar a arte como personagem misturada a “Tonheta”, mas por ser um primor na fotografia, um espetáculo na trilha sonora escolhida, e uma pérola rara no roteiro. Em relação a fotografia, sendo Walter Carvalho um exímio fotógrafo e detentor de 52 prêmios festivais a fora, a maioria deles por fotografia em seus filmes quando era diretor de fotografia, teve em Jacques Cheuiche de “Bonitinha, mas ordinária” (2013) de Moacyr Góes um bom aprendiz. Sobre a trilha sonora, não podia ser melhor, supervisionada por patrícia Portaro, que tem uma formação invejável e fez parte da equipe de “O ano e que meus pais saíram de férias” (2006) de Cao Hamburger. E a música é genuinamente brasileira. E para não se dizer que tudo foi feito às cegas, o eixo condutor foi o lúdico, muito bem marcado pelo livro “Homo Ludens” de Johan Huizinga, que aparece no filme e, possivelmente, uma fonte de inspiração para o roteirista Leonardo Gudel de “Gonzaga: de pai pra filho”. Em suma, uma galera de peso para composições artísticas.
O filme/documentário “Brincante” é uma poesia lúdica com direito a um show de movimentos corporais. Nos remete ao filme “O Palhaço” de Selton Mello, no que diz respeito a itinerância e a “Minutos Atrás” de Caio Sóh em relação a mistura de linguagens.
Mas nem todo mundo vê o mesmo vermelho. A falta de diálogos, narrativa, linearidade e temporalidade pode se apresentar como dificuldade para alguns e comprometer o entendimento e o prazer, por puro vício de assistir a obras “amarradinhas”. Logo, o filme é um manjar para quem tem na sua formação e nas suas redes de conhecimento, o teatro, a dança, as artes plásticas, a literatura, a música e a poesia e, é claro, sensibilidade e abertura de alma para tudo isso.
O documentário “Brincante” é uma grande homenagem a todos os artistas e à cultura brasileira de raiz. E é de uma ousadia admirável levar ao grande público do cinema uma linguagem tão líquida. Magnífico!
Obs: “Brincante” leva o nome do Instituto Brincante, um projeto que Antônio Nóbrega “toca” a mais de vinte anos no Bairro de Vila Madalena em São Paulo e que consiste na promoção de cursos, oficinas e encontros culturais.
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