Casa Grande. (Drama); Elenco: Thales Cavalcanti, Marcelo Novaes, Suzana Pires, Clarissa Pinheiro; Direção: Fellipe Barbosa, Brasil, 2014. 115 Min.
O filme de Fellipe Barbosa versa sobre os “pré-conceitos” inoculados na medula de uma sociedade através da educação cotidiana, desde que, sequer, tenhamos noção do outro, ou do conceito de cidadania. Nos mostra, brincando, o quanto estamos contaminados, sem percebermos, pelos estereótipos. Estamos falando de “Casa Grande” uma obra cheia de metáforas e de ganchos que nos remetem ao nosso arcabouço de construção social.
A história é um recorte de tempo na vida de uma família classe média alta, protagonizados por Marcelo Novaes (Hugo) e Suzana Pires (Sônia), cujo fio condutor da trama se estabelece no núcleo adolescente, com as ações subversivas e questionamentos. Hugo é um pai de família endividado que continua vivendo um padrão de vida que não sustenta mais, Sônia uma mãe dedicada que se dá conta da situação e tenta manter a família unida. Porém, nesse ínterim, os ranços e estigmas sociais que a família possui são superpotencializados. O roteiro trabalha com paradoxos: colégio São Bento X colégio Pedro II; Barra da Tijuca X Rocinha; o carro da família X transporte público; branco X negro; rico X pobre; patrão X empregado.
“Casa Grande” atua na área dos estereótipos, como: apelidos, carreiras promissoras, universidade de qualidade ou não, homegeneização (colégio de meninos), heterogeneização ( o forró, a rocinha) e a mistura de indivíduos independente da classe social. O filme faz uma viagem pelo verniz de valores de vitrine, ….”nessa casa, nessa família isso não acontece”… (sobre uma briga entre pai e filho), põe em pauta as cotas para negros nas universidades e discute diferentes pontos de vista sobre a questão. Disserta sobre preconceito racial e social alinhavado pelo desejo de viver e de conhecer a vida metaforizado no cotidiano adolescente. Questiona a superproteção, a vida numa redoma, fora da realidade e construída em cima “pré-conceituações” …“esse dinheiro é do ladrão”… (para o filho que vai andar de ônibus pela primeira vez). Todos, chistes que compõem o dia-a-dia de todos nós e que são eivados de preconceitos. Todas essas questões pertinentes e bastante em voga, são trazidas à superfície trilhando os caminhos do cotidiano: o café da manhã, o levar os filhos à escola, a hora do jantar, as birras entre irmãos, as aulas no colégio, o passeio com os amigos etc…
O grande mote de “Casa Grande” é o roteiro criado à quatro mãos por Fellipe Barbosa e Karen Sztajnberg. Essa, editora, escritora e diretora cinematográfica que tem no currículo a edição de “Em Route to Baghdad (2005), o roteiro de “Laura” (2011), e a direção de “The Narrative of Inadequacy” (2013), todos documentários, embora ela também tenha ficção em sua jornada profissional. Fellipe Barbosa, estreante como diretor de longa-metragem, editou “Avanti Popolo” (2012) e foi um dos roteiristas de “Rio, eu te amo”. Juntos fizeram um trançado de assuntos pesados se transformarem numa conversa gostosa de questionamento do status quo.
O resultado dessa empreitada foram os prêmios: do júri no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da feira (2014) na categoria de filme revelação; quatro prêmios no festival de Paulínea – melhor roteiro, premio especial do júri e melhor ator para Marcelo Novaes e melhor atriz para Clarissa Pinheiro – melhor filme no Festival do Rio; prêmio da ABBRACINE no Festival de São Paulo; o FIPRESCI no Tolouse Latin América Film Festival, dentre outros. Lembrando, ainda, da fotografia de Pedro Sotero de “O Som ao Redor” (2012), que não pode ficar fora da conta, é belíssima.
O longa de estreia de Fellipe Barbosa faz uma metaforização espetacular entre uma casa grande e glamourosa que apaga suas luzes e um quitinete, na rocinha, cujas cortinas são descerradas para a luz e a brisa entrarem. Uma produção inteligente e perspicaz, politizada sem ser chata, em que ri-se muito e aprende-se outro tanto. E é Brasil, né gente?! \o/
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