Esplendor – um painel sobre as liberdades das subjetividades

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Esplendor – um painel sobre as liberdades das subjetividades

Por | 2018-05-30T04:04:31-03:00 30 de maio de 2018|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Esplendor (Hikari/Radiance) (Drama/Romance); Elenco: Masatoshi Nagase, Ayame Misaki, Tatsuya Fuji; Direção: Naomi Kawase; Japão/França, 2017. 101 Min.

Indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes 2017 e ganhador do prêmio do juri ecumênico, “Esplendor” é a mais nova cria da diretora japonesa Naomi Kawase. Depois de “O Segredo das Águas” que mistura poesia imagética com aspectos culturais milenares e a modernidade de forma sutil e subjetiva, “Hikari” (no original) aprofunda mais ainda a abordagem de subjetividades. E aqui, o viés é o processo de construção do imaginário de cegos, em que o grande mote é deixar a porta da subjetividade aberta para que a imaginação possa fluir. Missão nada fácil num filme que se propõe a versar sobre audiodescrição.

Misako Oazaki (Ayame Misaki) é uma audiodescritora de filmes para cegos. Sua missão é construir uma narrativa a partir de um filme, de tal forma, dê uma ideia dos acontecimentos e não preencha as lacunas da imaginação alheia em sua narrativa. Para tanto, a criação de seus textos é diante da exibição do filme num estúdio com uma equipe de quatro cegos que orientam e criticam seu trabalho dizendo o que conseguiram imaginar e onde ela cerceou a suas imaginações preenchendo com detalhes que faziam parte de sua interpretação e rede de significações particular influenciando a história. O argumento é brilhante e difícil. Para que o objetivo seja alcançado a narrativa é lenta, detalhista e cheia de conflitos. Da equipe de cegos se destaca o fotógrafo Masaya Nakamori (Masatoshi Nagase) que é seu crítico mais ferrenho, e que ainda não está completamente cego, está em processo acelerado para tal. Portanto está mais suscetível a rompantes de revolta silenciosa e dor, chegando a ser agressivo. Esse embate traz riqueza para história, transporta o espectador para o mundo da interpretação e suas variantes e complexidade, introduzindo-o a outros referenciais. O filme é de uma sensibilidade, inteligência e perspicácia admiráveis.

Naomi Kawase, conhecida por “Sabor da Vida” (2015) e “Floresta dos Lamentos” (2007) é de uma sutileza e assertividade para trabalhar subjetividades que assusta. Seu preciosismo em dirigir atuações dentro de um contexto tão etéreo é digno de palmas. Não dá para não citar Masatoshi Nagase, o poeta japonês de “Paterson” (2016) e sua interpretação dolorida de quem passou a vida vivendo do olhar e de repente tem que aprender a enxergar de outro jeito. Ayame Misaki é mais conhecida por séries de super heróis japoneses e se esmera num papel em que, a maior parte de sua atuação é feita com os olhos. Os signos que envolvem o olhar são uma constante no longa e são postos de forma muito competente. Sem falar na trilha sonora de Ibrahim Maalouf de “A Incrível Jornada de Jacqueline” (2016) que envolve o espectador sem manipulações.

Em suma, a produção nipofrancesa sob a batuta de Naomi Kawase é um show de respeito à subjetividade humana e faz com maestria o que vemos de forma un passant em “Teu Mundo Não Cabe em Meus Olhos”. O longa é para todos os públicos, mas seleciona os mais atentos e amantes do prisma que é a complexidade humana. “Esplendor”é um mosaico de abstrações narrativas e poesia imagética. Vale mais do que pesa. Sensacional! (literalmente).

 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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