La Sapienza

La Sapienza

Por | 2015-09-21T03:29:20-03:00 21 de setembro de 2015|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

La sapienza. (Drama): Elenco: Fabrizio Rongione, Christelle Prot, Ludovico Succio, Arianna Nastro; Direção: Eugène Green; França/Itália, 2014. 101 Min.

O cinema é um suporte privilegiado no que diz respeito ao leque de possibilidades de abordagem de assuntos, concatenado com o alcance e seleção de público. Em todos esses quesitos “La Sapienza” tem vertentes de análise. O viés utilizado por Eugène Green é a erudição, o alto nível de argumentos e de metáforas sutis para falar de momentos sublimes, de marcas culturais através dos tempos, de amor como espaço e lugar,  de  luz como conhecimento e sabedoria como resultado final da junção de tudo isso. Catalisado pela arquitetura italiana através da história de dois arquitetos rivais: Francesco Borromini (1599-1667) e Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). E a partir daí trabalhar os conceitos antagônicos de rivalidade e harmonia, analogizando com duas gerações em conversas.

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A história consiste no encontro de um casal de meia idade com dois  jovens.  Alexandre (Fabrizio  Rongione), arquiteto e Aliénor (Christelle Prot), psicanalista, que depois de perderem a filha têm uma sombra de tristeza no olhar. Os dois irmãos jovens, Goffredo (Ludovico Succio) e Lavínia (Arianna Nastro) são respectivamente, aspirante a estudante de arquitetura e uma jovem de saúde frágil. O contexto das conversas é a Roma contemporânea. Enquanto Alexandre passeia com Ludovico pelos monumentos mais proeminentes construídos por Francesco Borromini, conversando sobre arquitetura, e a transmissão de conhecimento, a luz e possibilidade de harmonia entre o clássico e moderno; Aliénor faz visitas periódicas e passeios esporádicos com Lavínia e discute sobre a vida e sobre  emoções.

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O longa versa sobre a nobreza versus a mediocridade contemporânea. Antigamente se falava sobre arte, hoje se fala sobre pessoas; sobre a possibilidade de harmonia entre o antigo e moderno sem a necessidade de substituição,  mas, sim de convivência, e assevera os artefatos culturais como rastros de culturas pré-existentes e a necessidade de mantê-las. Mas também engloba ensinamentos como artefatos culturais quando  apresenta a personagem do caldeu na praça – interpretado por ninguém menos que o próprio Eugène Green- que fala sobre os ensinamentos de seu povo, sobre  o qual não há registro arqueológico e que  se pensava morto.

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“La Sapienza” se assemelha a “A Grande Beleza” (2013) quando Paolo Sorrentino coloca  o homem de hoje – Jep Gambardella/Toni Sevillo – procurando seu momento de plenitude, aquele único que não se capitaliza, não se repete. No caso de Gambardella, a sensação do momento da descoberta do amor e  a inspiração que dera origem ao seu primeiro livro (que é o único) em festas fúteis, com amigos de ocasião e amores vadios. Tudo isso em meio a materialização de momentos de sublime inspiração como o Coliseu, a Fontana de Trevi, dentre outros. Em “La Sapienza” os monumentos são o Palazzo della Sapienza, Sant’Ivo Alla Sapienza, Oratory of Saint Phillip Neri, San Carlo Alle Quatro Fontane, Domo de Sant’Agnese in Agone… Todos obra de um momento sublime e de plenitude de  Francesco Borromini. Mas a busca é pela luz – na arquitetura e na vida – pelo amor ( o lugar, o espaço)  e pela sabedoria, sem saber o que procuram. A chave que abre o caminho é,   possivelmente, a nova geração. Àquela que acreditamos fútil, mas que do lugar de onde olha tem muito a oferecer. A metaforização dos pés que  seguem outros pés pelos caminhos que se escolhe e o argumento de que as gerações futuras  e as anteriores têm interseções, tanto nas relações quanto nos feitos são a menina dos olhos da película.

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Eugene Green, ganhador do grande prêmio do festival de filmes independentes de Lisboa, do FIPRESCI no Festival de Londres por  “O Mundo Vivente” (2003) e do prêmio especial do júri no Festival de Locarno por “Memórias” (2007), pega pesado nas referências clássicas, nas metáforas imagéticas poéticas e sutis e na musica de fundo: “Magnificat à 6 voix”  de Claudio Monteverdi executada pelo Concerto Italiano sob a regência de Rinaldo Alessandrini, e isso seleciona público. Por “La sapienza” ganhou o prêmio de  melhor filme no Festival de Sevilha e foi indicado ao Leopardo de Ouro do Festival  de Locarno. Mas as ovações vão para a montagem/edição de valérie Loiseleux de “O Gebo e a Sombra” (2012) e “O último Poema do Rinoceronte” (2012),  que tem no currículo um César por “Um Couple Épatant” (2002), e para a fotografia de Raphaël O’byrne que não deixam a desejar.

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A seleção de público é sem medo de ser feliz: o pessoal da arquitetura, das artes, da literatura classicista, da história das mentalidades e todos os amantes de poesia e musica clássica espalhados pelo planeta. As atuações são coreografadas, a conversa é com o espectador, unindo os tempos e as culturas… Parece afetado, mas foi o jeito que Green escolheu para versar sobre tamanha nobreza: a aproximação dos tempos e a transcendência dos feitos humanos que merecem perpetuidade. Belíssimo!

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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