Irmã Dulce. (Biografia); Elenco: Regina Braga, Bianca Comparato, Paulo Gracindo Jr; Diretor: Vicente Amorim; Brasil, 2014. 90Min.
O quê que a Bahia tem, além de Caetano, Gil e Gal? A cinebiografia de Vicente Amorim nos apresenta “Irmã Dulce” um ícone da caridade no mundo e de ações sociais. Considerada uma das maiores ativistas humanitárias do século XX, eleita em 2012 um dos doze maiores brasileiros de todos os tempos, em uma pesquisa feita por uma rede de TV. Nasceu Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, passou a chamar-se irmã Dulce e é conhecida pelo epíteto de “Anjo bom da Bahia”. Foi indicada ao prêmio Nobel da Paz em 1988 e beatificada pelo Papa Bento XVI em 2011.
Esta aí o tamanho da personagem que o roteirista L. G. Bayão e o cineasta Vicente Amorim resolveram cinebiografar. O recorte foi meticuloso – as ações de amor ao próximo e de caridade de irmã Dulce – o cuidado com os doentes, a proteção aos pobres, tanto em relação à violência urbana quanto em relação ao sol e à chuva. O filme “Irmã Dulce” é um registro imagético da forma com a qual irmã Dulce assumiu sua missão e da dedicação ao caminho escolhido: a devoção, a caridade e o lidar político. Os dilemas humanos, as perseguições políticas internas e externas, foram apenas pinceladas através de episódios brandos e sutis com uma pimentinha leve e com bom humor. A não unamidade também foi registrada, na cena da cusparada. Os meandros de táticas e estratégias para driblar as dificuldades, principalmente as políticas, a administração das retaliações, o registro de sua presença de espírito e sua capacidade de sair de situações limites. Essa galeria de ações estão registradas através de atitudes representativas desses aspectos, que delineiam sutilmente a personalidade de irmã Dulce.
Mas o chão da obra foi a sensorialidade. O tato é o código que costura toda a estrutura da história, a emoção é a argamassa que cola os aspectos que são abordados no filme. A mão que simboliza o trabalho, o toque, a sensibilidade e a doação é um signo muito bem utilizado na obra de Vicente Amorim. E ainda, por ser uma história real, composta por fatos reais, emociona e, é claro, que sendo esse o objetivo de um filme desse estilo, a superpotencialização das cenas para que atinja o espectador nesse âmbito faz parte do produto. Mas o viés de condução foram a assertividade e a vontade inabalável de irmã Dulce.
O trabalho de atuação das atrizes Bianca Comparato (Irmã Dulce/jovem) e Regina Braga (irmã Dulce/meia idade) foram destaques neste caldo de modos de ver a biografada e de representar uma figura tão incomum e importante. A postura do corpo, o rosto duro, o olhar diretivo, o sorriso límpido, o sotaque, o trejeito com as mãos e sua inclinação de cabeça, foram atuações que a fizeram lembrar a quem a conheceu em vida.
O filme é fruto do casamento do roteiro, que é assinado por L.G. Bayão, o mesmo de “Heleno” (2011) e direção, sob a batuta de Vicente Amorim, que fez parte da dúzia de diretores de “Rio eu te amo” (2014) e também é conhecido por “Corações Sujos”(2011), “Caminho das nuvens” (2003) indicado à concha de ouro do Festival de Filmes do San Sebástian do mesmo ano e “Um Homem Bom” (2008) indicado ao Marco Aurélio de ouro do festival de Roma. A fotografia é seca, árida e opaca aproximando o espectador da realidade dura que relata a película (no sentido espanhol do termo). Outro destaque é a trilha sonora que ficou por conta da mesma dupla do filme “Boa Sorte” Lucas Marcier e Fabiano Krieger e ainda tem o prêmio de ouvir o hino de Santo antônio, em capela, na voz de Maria Bethânia.
A exemplo do filme ” Madre Teresa de Calcutá (2003) de Fabrizio Costa, “Irmã Dulce” é um filme sobre uma religiosa que não fala de religião e sim da prática da fé. Não segue o caminho da religiosidade e sim o da escolha de um caminho de altruísmo e dedicação ao próximo. Quando te perguntares o que é que a Bahia tem, responda: …Tudo! E irmã Dulce também.
“A miséria é a falta de amor entre os homens”
(Irmã Dulce)
Obs: Irmã Dulce foi uma ativista humanitária que fundou o primeiro movimento cristão operário da Bahia – a União Operária de São Francisco. Criou um centro de cultura – O Círculo Operário da Bahia – que consistia numa escola de ofícios a atividades culturais e recreativas que eram mantidas por três cinemas e doações, e tinha o objetivo de difundir o sistema de cooperativas, promover a cultura (no sentido de incentivar o consumo cultural) entre os operários, e defender seus direitos. E ainda, fundou o Centro Educacional Santo Antônio (escola de qualidade para pobres) e o Hospital Santo Antônio, uma das maiores e mais respeitadas instituições filântrópicas do pais. Um verdadeiro Chê Guevara de hábito. Mas seguir esse viés ficaria acintoso demais. E acinte não fazia parte do cotidiano de irmã Dulce. O viés do filme foi perfeito, a cara do “Anjo bom da Bahia”.
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