Também Somos Irmãos (Drama); Elenco: Grande Otelo, Aguinaldo Camargo, Ruth de Souza, Aguinaldo Rayol, Jece Valadão, Jorge Dória; Direção: José Carlos Burle; Brasil, 1949. 16 mm,88Min. #mostrahistoricaCINEOP2015
É de se admirar o quanto o cinema é audacioso e vanguardista na abordagem de questões que são polêmicas e que nos faz, a todos, pisar em ovos. Numa fala, talvez, explicativa, do personagem Everardo (Matheus Nachtergaele) no filme “Baixio das Bestas” (2006) de Cláudio Assis, que diz: “Sabe o que é o melhor do cinema?…É que no cinema tu pode fazer o tu quer” temos uma nuance do que possa mover essa coragem de cineasta. E, é verdade! O cinema é um espaço privilegiado de liberdade e transgressão. O diretor Luiz Carlos Burle (1910-1983) e o roteirista Alinor Azevedo (1914-1974) usaram e abusaram, maravilhosamente, dessa oportunidade no filme “Também Somos irmãos” do ano de 1949 produzido pela Atlântida.
Exibido na Mostra histórica do CINEOP 2015 do eixo de preservação da memória do cinema nacional, o longa foi o 27º filme na carreira de Grande Otelo (1915-1993), mas o que o içou à fama. Lembrando que o ator foi o homenageado post Mortem da 10ª edição da Mostra de Cinema de Ouro Preto.
“Também Somos Irmãos” versa sobre o preconceito racial, ascenção social, o amor que não respeita fronteiras, o interesse espúrio – seja o econômico, o social ou de qualquer favorecimento – em detrimento do bom caráter, e coloca em xeque o mal caratismo e a passionalidade como sendo uma chaga com origem social e faz disso tudo um caldo de questionamentos e reflexões respeitáveis e muito atuais. Para entendermos a impactação de um filme, sua importância e o quanto ele é indício da mentalidade de sua época, temos que tentar vê-lo com o olhar daquela época. Temos que tentar voltar no tempo, verificar seus costumes, suas normas sociais e prestar atenção nos rastros que constam na película daquela época. Mais do que os aspectos técnicos, recursos tecnológicos e a forma de condução do produto/filme no âmbito mercadológico, os valores e os questionamentos que ali são abordados são indícios. E nisso a película (literalmente) dá um banho de nuances a serem analisadas.
A história é sobre dois irmãos negros, Renato (Aguinaldo Camargo) e Miro (Grande Otelo) que são criados numa mansão na tijuca por um casal abastado, juntamente com sua filha biológica Marta (Vera Mendes). Ao crescerem são rejeitados e vão morar numa favela. Renato estuda direito e se torna um advogado, Miro vira vagabundo mesmo, orgulhosamente, com um nível de crítica social avassaladores que não economiza nas suas considerações, e é dado a pequenos ganhos e traquinagens. Renato continua a ter contato com Marta, que se tornou uma mulher culta e pela qual é apaixonado secretamente. Porém Marta se apaixona pelo galã cafajeste Walter (Jorge Dória). Nesse contexto Renato e Walter se desentendem e o pior acontece. O mote do filme é como as questões se desenrolam, a abordagem da nobreza de caráter, o que é amor, de fato, e o que se espera, naturalmente, das pessoas – as surpresas e as decepções.
Tudo isso sendo abordado num período pós-guerra e entre governos de Getúlio (Dutra era o Presidente na época). Numa época em que fazer cinema era difícil e caro. José Carlos Burle, um diretor pernambucano, conhecido mais tarde por “Carnaval Atlântida” (1952) ousou juntamente com o roteirista Alinor Azevedo de “Assalto ao Trem Pagador” (1962) falar desses temas numa época em que a sala de cinema era 100% de todo o público que consumia filmes, e não era tão popular. Uma osadia! Outros presentes espetaculares que a película nos lega é ver Agnaldo Rayol (Hélio) em sua primeira aparição no cinema, com apenas 11 aninhos, cantando feito um pássaro, e Jece valadão em inicio de carreira no papel do garçom.
“Também Somos irmãos” está disponível em plataformas online para assistir e baixar legalmente, e multimídias outras. Mas assistir em 16 mm, única cópia restante, em tela grande e com sala cheia, não tem preço.
#Mostra Histórica no CINEOP 2015
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