A Gangue

Por | 2018-06-16T23:58:48-03:00 2 de setembro de 2015|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

A Gangue (Plemya/The Tribe). (Crime/Drama); Elenco: Grigoriy Fesenko, Yana Novikova, Rosa Bably, Alexander Dsiadevich, Yaroslav Biletskiy, Ivan Tsihko, Alexander Osadchiy, Alexander Sidelnikov, Alexander Panivan; Direção: Myroslav Slaboshpytskiy; Ucrânia/Holanda, 2014. 132 Min.

Thomas Hobbes disse que “O  Homem nasce mau, a sociedade é quem o torna bom”, Já Jean-Jacques Rosseau acreditava no contrário “O Homem nasce bom, a sociedade é quem o corrompe”. Na intercessão entre esses dois pensamentos, que são marcos de suas épocas na história da humanidade, o cineasta ucraniano Myroslav Slaboshpytskiy usa o cinema, esse meio de alcance em massa, para dissertar sobre a natureza humana de forma inusitada e contundente. “A Gangue” é um filme em linguagem de sinais (libras) ucraniana e outros dialetos do oeste europeu, sem uma legenda, nem trilha sonora musical. O som é direto e a universalidade do entendimento vem das expressões faciais, da leitura corporal  e das ações e circunstâncias contidas na narrativa imagética.

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Quando se imagina que o cinema chegou à sua fronteira, lá vem alguém e chuta o balde deixando a todos sem chão. Não bastasse ‘Boyhood” que apostou em pequenas filmagens por ano, durante um período de doze anos; ou “Love” que vem derrubando os limites entre o pornográfico e o não-pornográfico no circuito, lá vem “A Gangue” apostando numa linguagem universal para além da blindagem dos códigos. Myroslav é um diretor, produtor e roteirista ucraniano que vem da seara dos curtas-metragens com um reconhecimento louvável, e “A Gangue” é seu primeiro longa-metragem como diretor, e como se não bastasse roteirista.

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A história é simples: numa escola, sem nome ou qualquer indicação de referência, só um lugar, e poderia ser qualquer outro lugar; um jovem, também sem nome, chega para conviver com os demais – presume-se se envolver em circunstâncias de aprendizagem. Os demais, também  não tem nomes, individualidades ou sinalizadores de singularidades. A hierarquia da escola existe, mas a promiscuidade nas relações ultrapassa os muros da hierarquia e os nichos se juntam (alunos, professores e funcionários) pela energia e pelos interesses (sempre espúrios). Tudo o que acontece ali se aplica ao humano em qualquer temporalidade. Os personagens que dão o fio da meada a ficção são adolescentes entre 14 e 17 anos. Não há famílias, não há contexto que alinhave a narrativa, tudo o que há é um desfile de índoles. Versa-se sobre a vida, sobre a humanidade, sobre o mal, e não sobre educação. Tudo são metáforas. O calouro é recebido num ambiente hostil e o que assistimos é sua adaptação àquela realidade. Os adolescentes praticam pequenos furtos, gerem a prostituição no lugar, traficam drogas e praticam torturas sem trilha sonora musical alguma que potencialize isso, não precisa, o clima é cru, como a realidade. A obra de Myroslav só trabalha os aspectos torpes da personalidade humana. Até o amor é sem disfarces, sem sutilezas, abusivo, agressivo e cerceador de liberdade.

The Tribe by the Ukrainian writer-director Myroslav Slaboshpytskiy

Myroslav Slaboshpytskiy cria uma obra autoral com uma narrativa inusitada para falar de nossa natureza malévola. Não há quem não entenda o que acontece ali. A fotografia de Valentyn Vasyanovych, acentua essa aridez com um tom acinzentado, com cores azul petróleo, preto e a eterna ausência de sol. Todos os atores são iniciantes. Tamanha inusitariedade rendeu a Myroslav 24 prêmios em festivais mundo afora: 3 deles em Cannes e 10 indicações. A abordagem de Miroslav é poderosa, contundente e muito competente para o que se proposita. Funciona.

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O filme é um desfile de hostilidades, de abuso de poder, de crueldade, uso espúrio do outro, sem dar uma palavra, sem legenda, sem referenciais e todo mundo entende. Possivelmente, por serem códigos universais da natureza humana. O que nos faz pensar que, de vez em quando, alguém tem que nos dar uns cutucões para a gente sair da zona de conforto e do discurso de bons moços. Na linha de diretores dissonantes e contundentes temos Lars Von Trier, Gaspar Noé e, agora engrossando a fila, Myroslav Slaboshpytskiy. (para falar de poucos)

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“A Gangue” é um eco de nós mesmos. E na resposta a Jean-Jacques Rosseau e Thomas Hobbes, parece que Myroslav prefere defender que somos maus e pronto, tanto que nos reconhecemos no silêncio. Tamanho atrevimento elevou a classificação etária para 18 anos e o vaticínio da obra como perturbadora.

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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