Coração de Cachorro (Heart of Dog) (Documentário); Escrito e dirigido por Laurie Anderson; França/USA, 2015. 75 Min.
O longa-metragem “Coração de Cachorro” é o exercício da arte de contar histórias por alguém mergulhado na filosofia budista e que faz conexões com o real, o imaginário e o espiritual. O longa-metragem faz um paralelo entre a infância de Laurie, sua mãe, seu amigo escultor e sua cadela Lolabelle em que, o território de intersecção é a espiritualidade e o fio condutor a evolução, sem dizê-lo em termos doutrinais. O filme está mais para um relato de experiências ou um diário para a posteridade do que para o gênero documentário.
O contexto no qual Laurie se encontra é o pós 11/09 quando todos os cuidados de segurança e vigilâncias são redobrados. E a partir desse momento emocional Laurie, que é muito boa em contar histórias, nos ciceronia através de uma narrativa que conecta várias delas, como uma bonequinha russa, um dentro da outra, e o faz usando a forma com a qual ela acha que Lolabelle vê o mundo. Desde a posição da câmera às cores que, pressupõe-se ser a fisiologia do olhar canino, até a pureza com a qual se pensa ser a do coração de um cão, essa na abordagem. A partir daí Laurie faz uma divagação pertinente sobre a linguagem usando Wittgenstein e outros teóricos da área, um quadro de Goya e outros referenciais de produção intelectual humana, incluindo suas próprias músicas. Essa mistura, a edição abrupta, as imagens desfocadas, sua narrativa salteada e a forma com a qual força o espectador a uma conexão entre aspectos que parecem tão díspares, nos lembra “Adeus à Linguagem” de Jean-Luc Godard. Tirando os aspectos políticos, é claro.
Laurie Anderson é compositora, artista performática experimental que trabalha com diversas mídias e escreveu, dirigiu, participou da fotografia e compôs a trilha sonora. A narrativa é da própria Laurie e é eivada de poesia e subjetividades. Tem um viés condutor pelo qual ela caminha entre as histórias contadas, mas a liberdade de divagação é toda do espectador. Laurie, além de exercitar seu talento para contar histórias, homenageia a cadelinha e, à luz da espiritualidade, preconiza a importância de todas as criaturas, independente de seu estado na matéria ou fora dela, e que a conexão de tudo isso deveria ter e ser a pureza, como a do coração de um cachorro.
“Heart of Dog” (no original) foi seleção oficial dos festivais de New York, Veneza, Telluride e Toronto e ganhou quatro prêmios: o Lina Mangiacapre do Festival de Veneza; o Aurora do Tromso International Fim Festival; melhor documentário da Sociedade Cinéfila Internacional e o Eye Honor do Cinema Eye Honor 2016. O filme de Laurie Anderson é uma ótima pedida para quem vê o mundo de forma holística e se recusa a aceitar as fragmentações da modernidade.
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