De Cabeça Erguida (La Tête Haute/Standing Tall). (Drama); Elenco: Catherine Deneuve, Benoit Magimel, Sara Forestier, Rod Paradot; Direção: Emmanuelle Bercot; França, 2015. 120 Min. #festivalvariluxdecinemafrances
Filme de abertura do Festival de Cannes 2015, “De cabeça Erguida” conta a história de Malony e nos apresenta o sistema legislativo francês- relativo a causa do menor infrator – o sistema educativo, o de recuperação de delinquentes e o prisional. É um passeio poderoso na formação da personalidade afetiva do ser humano em condições excepcionais, sem culpar ninguém. Simplesmente aponta onde podem estar os déficits das instituições e seus atores, incluindo a família, que acompanham jovens com questões relativas a inserção social. É um bom catalisador para a produção de pensamento sobre a maioridade penal.
Malony (Rod Paradot) é um menino com problemas na escola desde os 6 anos. Filho de Severine (Sara Forestier), solteira, com dois filhos pequenos, sem companheiro, sem emprego e usuária de drogas. Chamada ao juizado familiar entrega o filho a justiça e o caso fica sob os cuidados da juíza Florence Blaque (Catherine Deneuve), que o acompanha por um período de dez anos. A elipse de tempo nos presenteia com dois anos da vida Malony, dos 15 aos 17 anos, orientados pelo educador Yann (Benoit Magimel).
A película apresenta questões complexas e delicadas como abandono, maus tratos, carência afetiva no contexto da infância e da juventude; a interação social, o papel da escola, o limite do poder judiciário, o papel das instituições de recuperação de delinquentes, e por fim, a penalidade criminal. “La Tête Haute” ( no original) faz um passeio assustador nas várias camadas que envolvem o assunto e apresenta o sistema francês de dispositivos de vigilância e punição e sua atuação no cotidiano. Nos remete ao filme “Mommy” de Xavier Dolan, cuja temática é a mesma, porém, a diferença consiste na prerrogativa da mãe que assume as rédeas da situação contra as instituições até onde pôde. Em “De Cabeça Erguida” Severine lava as mãos e ainda é agente ativo de uma rejeição cavalar. Enquanto em “Mommy” o final é negativo, em “De cabeça Erguida” Emmanuelle Bercot, sem ser demagoga, nem fazer uso de clichês baratos, aposta no cheiro de final feliz com uma abertura para as fabulações do espectador. E, muito sutilmente, sugere que, com todos os dispositivos de vigilância social que qualquer sociedade possua, o grande poder ainda é o de exercício de afeto. Diz tudo isso sem ser piegas e sem cair na mesmice e conseguiu ser uma adepta competente da premissa que diz que “deus mora nos detalhes”. É um filme para se prestar atenção nos silêncios, nas mãos, nos olhares e nos movimentos mais sutis.
A menina dos olhos do filme é o argumento e a direção. O roteiro ficou por conta de Emmanuelle juntamente com a argentina Marcia Romano, premiada com melhor roteiro no Festival de Cannes 2006 por “Les Amités Maléfiques/Poison Friends), que costuraram uma história realista. A direção de Bercot tem uma competência na orientação das cenas de demonstração de emoção que são primorosas, tanto as violentas – pra lá de realistas – quanto as de afeto, que não são musicadas e são propositalmente tímidas e sutis conferindo uma veracidade memorável.
Afeita ao trabalho com atores, ditos, não profissionais, normalmente iniciantes e desconhecidos, tendo como âncora um ou outro ator de peso, Emmamuelle já ganhou o prêmio de melhor diretor por ” Backstage” (2005) no Tessalonik Film Festival e foi indicada ao Urso de Ouro do Festival de Berlim 2013 por “Ela Vai” no qual também trabalhou com Catherine Deneuve. A trilha sonora é de Éric Neveux que mistura um clássico redentor a um technos pauleira, que faz a pontuação das sensações de Malony. A fotografia é de Guillaume Schiffman de “O Artista” (2011).
De cabeça erguida é um filme forte, impactante e que passeia por caminhos que exploram onde cada um tem sua cota de responsabilidade. Mas, em momento algum, se pretende ser o bastião da verdade, nem apresentar soluções mágicas, simplesmente versa, e muito bem, sobre o assunto a que se propõe. Pode-se definir “De cabeça Erguida” como propositalmente incômodo e poderoso.
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