Já Estou Com Saudades. (Miss You Already); (Comédia/Drama/Romance); Elenco: Toni Collette, Drew Barrymore; Direção: Catherine Hardwicke; Reino Unido, 2015. 112 Min.
O cinema é um território privilegiado para reflexões de todo o tipo, políticas, existencialistas, ambientalistas, de sexualidade e afins. O que difere uma obra da outra, quando se referem a um mesmo assunto, é a abordagem, e o que desenha a ousadia é a coragem de trazer para ágora escura assuntos tabus, que ninguém quer falar e apostar que dá público. Afinal, é um produto comercial como qualquer um outro. “Já Estou Com Saudades” vem nessa vibe de assunto tabu, que traz aspectos fragilizadores e constrangedores para a cena, e que expõe o ser humano naquilo que lhe é mais caro, a dignidade. O longa de Catherine Hardwicke fala sobre câncer de mama. É uma abordagem ousada que perscruta sobre a doença e seu entorno, a família, a relação com os amigos, o direito às diferenças de entendimento e aceitação de cada um, disfarçado de filme de sessão da tarde sobre amizade. Mas o principal é que é uma visão feminina da questão. O ponto de vista é o da mulher: o da portadora, o da amiga, o da mãe, o das colegas de trabalho, o da filha, sem panos quentes e não-me-toques. O filme é uma abordagem contundente que se alivia no sarcasmo como uma boa catarse deve ser.
Milly (Eleanor Stagg/Lucy Morton/Sophie Holland/Toni Collette) e Jess (Grace Schneider/Emily Trappen/Charlote Hope/Drew Barrimore) são amigas de infância, desde a escola. Cresceram juntas, cada uma do seu jeito, no seu ritmo e ambas se respeitando nessas diferenças. Até que um dia, Milly descobre que está com câncer de mama. Casada com Kit (Dominic Cooper) e com duas crianças pequenas, Scarlett (Honor Kneafsey) e Ben (Ryan Lennon Baker) e uma mãe espaventada, Miranda (Jacqueline Bisset), Milly encara o que vem pela frente junto com amiga Jess. E sobre isso entenda-se a resistência da mãe em relação à estética, a adaptação/não adaptação do marido (uma abordagem brilhante), as duas variantes das explicações para as crianças(a fantasiosa e a real), o medo da perda da feminilidade, o afã no usufruto da sexualidade, os descontroles emocionais, as justiças e injustiças cometidas e recebidas, a vida e a morte caminhando juntas – o paradoxo entre a tristeza e alegria. O longa é riquíssimo em abordagem de aspectos.
Catherine Hardwicke (diretora) e Morwenna Banks (roteirista) optaram por uma pegada realista, pé no chão, sem véus e que mostra tudo: das crises de mal estar da quimioterapia ao curativo da mastectomia. Não poupa nada. Mas o contraponto é de igual impacto, as piadas são rasgadas, sarcásticas e duras. A menina dos olhos do filme é o roteiro e essa contundência, que a princípio parece que força uma barra, mas não. Ele persiste no mesmo ritmo até o final e os refresco das piadas é na mesma vibração. Um balé de morde-e-assopra digno das situações sem saída. Tecnicamente, Catherine e Morwenna vêm do nicho das séries e filmes de TV, o que explica o jeitão de tela quente, mesmo apostando numa abordagem diferenciada e chocante, mas que funciona para falar de um assunto que ninguém quer falar. Diferente de “Love Story- Uma história de Amor” (1970) de Arthur Hiller em que a proximidade da morte era embalada por misericórdia, compaixão e autocomiseração, levando às lágrimas, “Já Estou Com Saudades” leva ao riso. Toni Collete e Drew Barrymore são o grande atrativo comercial por serem conhecidas, competentes e premiadas, e suas atuações são de arrepiar. A trilha sonora é outro instrumento de potencialização das sensações e é assinada por Harry Gregson-Williams de “As Crônicas de Nárnia…” (2005) pelo qual foi indicado ao Globo de Ouro.
Para terminar, “Já Estou com Saudades” parece uma espécie de exorcismo versando sobre a vida e todas as suas facetas do nascimento à morte. Satiriza a forma que usamos para nos proteger e apoiar o outro – a mentira – e não economiza, discute a morte com crianças e dá a cara a tapa. O filme é uma saga nua e crua sobre o câncer de mama, com doçura apesar da dor, com graça apesar do sofrimento e com uma leveza ( em alguns momentos) que é difícil de ser conseguida quando se pretende ser sincero. “Já Estou Com Saudades” é uma comédia de humor negro bem contextualizado e bem colocado na história e mostra o movimento da vida com tudo acontecendo ao mesmo tempo: as coisas boas e as ruins, a tolerância e o limite, o amor e a revolta….a vida e a morte. O filme é dedicado nos créditos finais a todos os que tiveram suas vidas alcançadas pelo câncer, às vitimas que venceram e as que sucumbiram, aos familiares e aos amigos. “Já Estou Com Saudades” prova que o cinema é bem mais que um produto comercial.
- Estreia 24/12/2015
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