Lola Pater

Lola Pater

Por | 2017-12-14T01:55:55-03:00 14 de dezembro de 2017|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Lola Pater (Drama); Elenco: Fanny Ardant, Tewfik Jallab, Nadia Kaci, Lubna Azabal; Direção: Nadir Moknèche; França/Bélgica, 2017. 95 Min.

Alguns filmes merecem figurar no hall de textos de todo espaço dedicado ao cinema que se preze, independente de estar ou não em cartaz. Até porque, hoje, isso é um detalhe, se levarmos em consideração todas as possibilidades que e web nos oferece, e “Lola Pater” é um deles. Não porque verse sobre a identidade de gênero, questões essas que sempre existiram nas nossas sociedades, da antigas às modernas, mas que somente agora temos liberdade e, quiçá, maturidade para aborda-las, questiona-las e refletir sobre elas. Mas, porque o filme faz isso num território muito específico, num núcleo árabe de religião muçulmana de belgas valões.

Farid Chekib é um homem casado com uma mulher muito especial, Malika (Lubna Azabal), que compreende seus conflitos internos em relação à  harmonia entre sua alma e seu corpo e seu estar no mundo. Um dia, Farid some, vai viver bem longe, se transforma em Lola (Fanny Ardant) e se torna professora de dança do ventre. Até que o passado bate à sua porta. Malika havia falecido e  a necessidade de organizar o espólio da família, as herdades e etc traz seu filho, Zino (Tewfik Jallab) ao seu convívio para resolver  essas questões. A história começa aí com seus atravessamentos, num nicho muito específico e delicado. A família é árabe e muçulmana, logo não há ênfases ao exercício da sexualidade, mais ela é citada, versada em prosa, discutida em conversas de Lola com sua companheira. Com uma atriz no papel de uma mulher trans, o longa roteirizado e dirigido por Nadir Moknèche versa sobre a essência para além do estereótipo, sobre o que está dentro da alma em detrimento dos estigmas que criamos para o que se vê de fora. E faz isso muito bem, com delicadeza e sutileza. À princípio entre pai e filho, depois estende isso aos demais, no convívio social.

A questão ficaria no espaço de mais do mesmo se não fosse o lugar de onde  o diretor francês, conhecido por “Délice Paloma” (2007), resolve falar: de dentro de uma cultura fechada, apresentando de forma magistral a força da vontade de ser feliz e de se ser o que se é. Por conta disso é mais que compreensível o fato de não se ter uma atriz trans,  falar sobre o assunto desse lugar, já é um avanço e tanto, trazer uma atriz trans poderia ser visto como afronta – uma coisa de cada vez – então, inteligente e competentemente, a atriz Fanny Ardant dá vida a Farid/Lola Chekid, o pai ‘Pater’ de Zino Chekib.

O filme, tecnicamente, já tem em seu roteiro e crème de la crème dentre todos os aspectos. Mas junta-se a ele as interpretações de Fanny Ardant e Tewfik Jallab coma fotografia de Jeanne Lapoirie de “Um Belo Verão” (2015) e fecha a tampa com categoria. Assim como em “Antes o Tempo Não Acabava” mostra a natureza em si como dona do indivíduo e de sua orientação sexual para além dos costumes culturais, em “Lola Pater” acontece o mesmo com outro nível de necessidade de exercício dessa identidade e com suas devidas linhas de fuga. Mas o cerne da questão é o mesmo – ser o que se é – independente da aceitação alheia ou dos aspectos culturais.

“Lola Pater”, juntamente, com “Uma Mulher Fantástica” são obras que versam, de forma discreta e inteligente sobre uma vida normal e comum fora dos padrões ditados por uma sociedade polarizada em relação a questão de gênero. Que apresentam uma mulher trans, seus conflitos e questões referentes a aceitação da sociedade. Em ambas a abordagem não é sobre exercício de sexualidade, mas de vida, de identidade de alma e social. Vale a pena conferir, despido de todas as ‘pre-conceituações” e com olhos de ver.

 
 
 

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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