Macbeth: Ambição & Guerra ( Macbeth). (Drama/Guerra); Elenco: Michael Fassbender, Marion Cotillard, Paddy Considine, David Thewlis; Direção: Justin Kurzel; Reino Unido/França/USA, 2015. 113 Min.
Depois de, aproximadamente, 412 anos de escrita de Macbeth (entre 1603-1607) de autoria de William Shakespeare (1564-1616), a tragédia continua sendo alvo de apresentações, adaptações e transposições de linguagens. Escrita por um dos maiores nomes da literatura inglesa e o mais influente dos dramaturgos no mundo, “Macbeth” versa sobre um regicídio e suas consequências. Inspirado na mistura dos relatos dos reis Duff e Duncan, constantes nas crônicas historiográficas intituladas “Crônicas da Inglaterra Escócia e Irlanda” publicadas em 1587, e pelos escritos do filósofo escocês Hector Boece (1465-1536), a história amalgamada por Shakespeare ganhou corpo e fama ao longo dos séculos e já foi adaptada para o cinema, a televisão, a ópera, os quadrinhos e outras mídias. No cinema várias versões foram exibidas: a do inglês J. Stuart Backton (1908); a do alemão Heinz Schall (1922); a do americano Orson Welles (1948); a do japonês Akira Kurosawa (1957); a do polonês Roman Polanski (1971), a do brasileiro Vinícius Coimbra, “A Floresta que se Move” (2015) e agora chegou a vez do australiano Justin Kurzel do premiado “Snowtown” (2011).
A história é conhecida. Depois de derrotar as forças da Noruega e da Irlanda, Macbeth (Michael Fassbender), parente do rei Duncan da Escócia (David Thewlis) é louvado por sua bravura. Encontram-se, então, Macbeth e Banquo (Paddy Considine), com três bruxas que proferem três profecias, uma delas a de que Macbeth seria rei e, para Banquo, de que daria origem a uma linhagem de reis, mas que não o seria. À medida que as profecias se cumprem, Macbeth conta a lady Macbeth (Marion Cotillard), sua esposa, o que as bruxas profetizaram e Lady Macbeth arquiteta um plano para tomar o trono de Duncan. E assim se sucedem assassinatos, com o objetivo de manutenção do trono, num jogo de xadrez inteligente, cruel e violento. O filme tem uma ousadia nas cenas de guerra que são como poesia medieval e demonstra uma coragem em preencher as lacunas do que é imaginado, que surpreende, por que o faz com uma competência artística espantosa, com bom usos de takes, de angulações, e contundências que ficam na medida para uma tragédia. As atuações de Michael Fassbender e Marion Cotillard estão fabulosas. As crises de consciência, os enlouquecimentos, transitam entre o teatral e cinematográfico, sem nos deixar esquecer que a origem é a literatura e o tablado, mas com um poder artístico que preenche o vazio dos atos do teatro e satisfaz os cinéfilos conhecedores do obra teatral.
A versão de Justin Kurzel de “Macbeth” tem como primores a fotografia, a direção de arte, o figurino e a edição. A fotografia de Adam Arkapaw é sombria, lúgubre, embaçada e avermelhada, metaforiza a alma de Macbeth, a guerra e potencializa a sensação de agonia. A direção de arte de Nick Dent de “Alexandre” (2004) e “O Jogo da Imitação” (2014) insere o público na era medieval com os dois pés: no modo de vida, na arquitetura palaciana, nas armas, guerras e seus modus operandis. O figurino da oscarizada Jacqueline Durran, por “Anna Karenina” (2012) completa o pacote que impinge aos espectadores a sensação de estar mergulhado na era medieval. A edição de Chris Dickens de “Os Miseráveis” (2012) e oscarizado por “Quem Quer Ser Um Milionário” (2008) faz o recorte da transposição da linguagem do teatro para o cinema, com corte estanques e fragmentados nos momentos oportunos que nos lembra de sua origem, mas insere competentemente o obra de Shakespeare na linguagem cinematográfica sem perder o estilo. Diferente da versão brasileira de Vinícius Coimbra que recontextualiza para o nosso tempo e mantém o peso teatral – vide a cena do banquete. “Macbeth: Ambição & Guerra” nos joga no colo do filme de TV “Medea” (1988) de Lars Von Trier, no quesito adaptação de obras clássicas. “Medea” é uma versão para audiovisual vinda do roteiro original de Carl Theodor Dreyer, que por sua vez, vem da tragédia de Eurípedes, e sua competência também está ancorada na fotografia, nas metáforas imagética e nos diálogos.
Gravado na Escócia, “Macbeth” (no original) é um filme de guerra, física, psicológica e espiritual causada pela ambição. E que se propõe fiel à obra original, pelas paisagens, pelos diálogos, com um vocabulário num inglês clássico, rebuscado e culto, e por todos os quesitos já citados. Foi indicado a 13 prêmios, dentre eles a Palma de Ouro e o Goya de melhor filme europeu. Não levou nenhum, apesar de sua qualidade cinematográfica. Pode ser a comprovação da velha crendice escocesa, sobre a maldição que paira sobre a obra. Vai saber…
O que se sabe é o que o longa de Justin Kurzel seleciona público. É para os que admiram as obras shakespearianas, seus leitores e frequentadores de teatro. Esses, possivelmente, saberão se deliciar com a tentativa louvável da transposição de linguagem do teatro para o cinema. O “Macbeth” de Justin Kurzel é uma obra de arte cinematográfica ousada, forte e espetacular.
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