Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil

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Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil

Por | 2018-06-17T00:27:16-03:00 16 de julho de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil (Documentário); Participações: Aloisio da Silva, Argemiro dos Santos, Sidney Aguilar, José Alves de Almeida (família); Direção: Belisario Franca; Brasil, 2016. 80 Min.

“A carne mais barata do mercado é a carne negra”

(Elza Soares – A Carne)

Baseado na tese de doutorado do historiador Sidney Aguilar o longa-metragem “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil” dirigido por Belisario Franca, faz o registro cinematográfico dessa pesquisa. Investigação essa que nos apresenta um foco da ideologia nazista no Brasil da década de 30 e que traça um grande painel do racismo  e do processo de  inoculação medular das ideias que nos constituem, silenciosamente, como sociedade.

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A partir da investigação da adoção de 50 meninos negros ao mesmo tempo e pela mesma família no orfanato Romão de Matos Duarte no Rio de Janeiro e do paradeiro deles na fazenda Santa Albertina no interior de São Paulo, descobriu-se  um braço fascista no Brasil com requintes da ideologia nazista com direito a suástica, trabalho escravo e identificação numerada. O relato dessa história é feita em primeira pessoa pelo ancião nonagenário Aluísio da Silva, o número 23. E a partir daí se encontrou o Sr. Argemiro dos Santos, que também fazia parte do grupo e a família de José Alves de Almeida, o número 2 (já falecido na época das filmagens). Essas conversas trazem à baila a postura ideológica da tradicional família Rocha Miranda, que fazia parte da elite política e econômica do país à época. E que não escondia sua simpatia pelo ideário filosófico/político alemão do período.

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O longa- metragem é uma viagem no tempo e pelo mais recôndito pensamento da elite brasileira, com relatos de experiências, documentos históricos e fotos de arquivo. E uma brecha para divagação sobre o que fazemos com o que fazem conosco, quando pontua as reações tão diferentes do Sr.  Aloísio e do Sr. Argemiro em relação às lembranças, às reações que tiveram na época do acontecido e o que fizeram de suas vidas a partir disso. Até que ponto e em que medida isso lhes afetou.

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O diretor e a roteirista Bianca Lenti caminhando nas pegadas da pesquisa do professor Aguilar fazem o caminho de volta através da reconstituição dos momentos narrados pelo Sr. Aloísio entremeada aos relatos e atravessados por entrevistas explicativas do contexto histórico e político da época  com historiadores, cientistas políticos  e sociólogos. A edição de Yan Motta nessa narrativa tem um papel primordial, e por tal, abocanhou o prêmio de melhor edição do Festival do Filmes do Ceará , o CineCeará 2016.

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Belisario Franca é um diretor e roteirista de filmes e de séries de TV que se dedica ao inventário cultural brasileiro através de investigações críticas e com um olhar lúdico, captando nuances únicas do tema a que se propõe abordar. Foi assim com “Além-mar” (1999) um documentário/série de TV em que é abordado a herança portuguesa no mundo; com o filme “The Xavante Strategy” (2006) que versa sobre a inusitada autonomia Xavante na manutenção de sua cultura e preservação territorial de seu povo; e com “Amazônia Eterna” (2012) uma análise crítica sobre o que entendemos por floresta tropical e seu valor para a humanidade.

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“Menino 23: Infâncias perdidas no Brasil” é uma pérola no cultivo da memória histórica brasileira que, propositalmente, nos traz reflexões sobre nossos silêncios, sobre as formas diversas de reações dos indivíduos  diante da vida e que nos mostra o que pode o cinema e a ciência juntos. Um primor em apresentar a nós mesmos a nossa alma preconceituosa enquanto  sociedade com uma bordagem histórica e política através de conversas. Um primor na coragem de cortar na própria carne mostrando-nos a cara de nossa elite sem véus…Um primor aterrorizante!

 
 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

Nenhum Comentário.

  1. Jorge Lima 16 de julho de 2016 em 13:25 - Responder

    Impressionante e genial o documentário, através da sua crítica, Sonia! É imprescindível conferir. Aliás, obrigado por compartilhar uma parte da nossa história por uma via tão magnífica, história essa tão menosprezada em nosso território. Menosprezo que se traduz até hoje em nossas mazelas pessoais, sociais e institucionais.

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