Missão impossível – Acerto de contas – parte 1/Impossible mission – Dead Reckoning Part one (ação, aventura, suspense, espionagem); Elenco: Tom Cruise, Hayley atwell, Vanessa Kirby, Rebeca Ferguson, Simon Pegg, Ving Rhames, Esaí Morales; Direção: Christopher Mcquarrie. EUA, 2023. 163 Min.
Quando se fala em cinema pensa-se sempre em diversão. E é isso. Mas, também, é mais. Existem aspectos que constituem a sétima arte, e que a caracterizam univocamente, que nos permite devanear por ela, desconstruir suas características para depois remontá-la novamente, e a partir daí percebermos suas diversas camadas. É quase um quebra-cabeças que, composto em seu sincretismo de aspectos (imagem, som, montagem), criam um mundo que nos absorve. Nessa mistura de ebulições que acontecem ao mesmo tempo nos cooptando, uma dessas camadas é a abordagem, o viés do assunto escolhido, que imbricado com as atuações, a mis-en-scene, a trilha sonora exponencializa a experiência.
Quando se fala de um produto já estabelecido na indústria cinematográfica como uma franquia, por exemplo, fala-se da soma de características específicas que dão identidade e vida àquele produto que vão cativar o espectador, tocá-lo na alma, com remetências de lembranças e euforia a partir daquilo que é marca da produção. E no caso de “Missão Impossível”, seu tema musical, sua velocidade no encadeamento dos fatos, as imagens dos lugares mais prestigiados do planeta e seu humor dissonante são ingredientes que, quando somados à abordagem escolhida, além de acionar a nossa familiaridade com o produto, traz uma sensação de pertencimento àquele mundo criado para a aventura. Já são 27 anos de sucesso em cima dessa fórmula. E a cada filme esta receita se aperfeiçoa de acordo com o nível de tecnologia da época de produção, do nível de loucura/coragem de seu ator principal e dos assuntos que , são sempre atuais para o momento. Dirigidos por profissionais de peso do gênero (Brian de Palma, John Woo, J. J. Abrams, Brad Bird, Christopher Mcquarrie) a franquia continua fiel às suas características, renovando sua formula e mostrando que Tom Cruise e Dorian Gray têm alguma coisa em comum.
“Missão Impossível – acertos de contas – parte um” traz como assunto principal a IA (Inteligência Artificial) assunto em voga no momento (vide o movimento de greve de roteiristas e atores em Hollywood) em seu viés catastrofista. Assim, como outros filmes em outros momentos já trataram do tema com diferentes abordagens, como: “O Exterminado do Futuro” (1984); “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1968) – guardadas as devidas proporções relativa ao viés artístico da obra – “Blade Runner” (1982); “Matrix” (1999); “Ela” (2013); “Eu, Robot” (2004) e por aí vai. Missão Impossível 7 engrossa a lista de pretendentes no assunto.
No longa dirigido por Christopher Mcquarrie, baseado na criação de Bruce Geller (1930-1978) para série de TV com roteiro escrito por Erick Jendressen conhecido por “Ithaca” (2015), a missão é conseguir a segunda parte de uma chave que dá acesso a um organismo digital autoconsciente (IA) e destruí-lo. Neste contexto se aventa várias possibilidades com direito a favoráveis de que alguém detenha a chave e, por conseguinte, o poder no mundo; os contra a possibilidade de deixar uma IA autoconsciente que já interfere nos sistemas comunicacionais do mundo à solta por aí, e os indecisos. (a questão dá panos para manga, e o longa dá tempo para pensar a respeito). Mas, este é o assunto. O embrulho no qual ele vem é que faz toda a diferença – a marca/a cara da franquia- cuja fórmula se adensa em tatibilidade, velocidade e humor dissonante e cultural….e é claro, um viés romântico água com açucar que também é achincalhado pelo próprio roteiro de uma forma bem leve. Tudo isso não deixa o espectador esquecer nem por um minuto de que ele está imerso numa aventura do IMF (Força Missão Impossível) e…. contando para sua eternização com a adição de mais um membro à equipe, a partir da “escolha”, condição que indica o momento de vida e a condição de quem entra no grupo.
Que a fórmula esteja se desgastando, ok. Que fica cada vez mais difícil se reinventar num mundo em que as IAs estão iniciando sua era, Ok. Mas, ainda assim, é louvável o trabalho do produtor Tom Cruise (depois de tantos gritos e arroubos durante as filmagens do longa) em insistir com a franquia e ainda dividi-la em duas partes.
A exibição do filme é um convite a rever todos os outros filmes, não decepciona naquilo que se propõe. Mas havemos de nos perguntar se não seria hora de parar. Coisa que parece não passar pela cabeça de Etan Hunt. Como o produto já cumpriu sua função como arte de consumo blockbuster, às vezes se repete um pouco, ou força um maior tempo de ação para prender a atenção do espectador naquilo que é seu forte – cenas de ação. Mas, mesmo assim , ainda tem um ‘Q’ do filme de 1996 ( o primeiro). E para o espectador que viveu o lançamento dessa época faz toda diferença. Acredito que é nisso que a produção aposta.
Vaticinando: Vale o ingresso! o resto é bobagem. Enquanto o produto (que é o que o filme é) estiver dando lucro será produzido e vendido no mercado cinematográfico. Não nos esqueçamos da franquia 007, que é um produto do mesmo nicho – espionagem – que produziu 25 longas-metragens por 50 anos (desde 1962), teve seis atores interpretando o icônico agente secreto e ainda é um grande sucesso no streaming.
Vida longa à franquia! à Mr. Cruise e a todos os alucinados por “Missão Impossível” porque eles existem. \o/
*Personagem conceitual é um termo criado por Deleuze & Guattari (1991) para designar um ente filosófico que, sem forma, traz possibilidades de assuntos, tendo todas as suas premissas num plano imanente e que, existem antes da formação de um conceito. Ou seja, tudo o que está me devir, em suspenso, incriado e como possibilidade, está ali.
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