Ponto Zero (Drama); Elenco: Sandro Aliprandini, Patrícia Selonk, Eucir Souza; Direção: José Pedro Goulart; Brasil, 2015. 94 Min.
Ponto Zero é o segundo longa-metragem de José Pedro Goulart e versa sobre a adolescência e sua definição indefinível. O não-lugar no mundo de alguém que passa por essa fase da vida. Na realidade é sobre o processo de amadurecimento, a dissonância com o mundo e a dor que é crescer. E o grande artefato para metaforizar isso é a fotografia, que o faz de forma leve, poética e brilhante.
Ênio (Sandro Aliprandini) é um adolescente em uma família em desmonte. A mãe (Patrícia Selonk), é uma dona de casa que dedicou sua vida à criação dos filhos. O pai (Eucir Souza) um radialista que passa mais tempo no trabalho do que em casa. Por conta disso, Ênio é o sustentáculo dessa mãe que deposita nele uma carga de responsabilidade enorme em manter a conexão do pai com a família. Enquanto isso, Ênio passa pelas transformações e conflitos da adolescência, as brigas no colégio, o desejo sexual e a necessidade de ser visto. “Ponto Zero” tem em seu cerne o baque da perda da ingenuidade, o início do peso da responsabilidade de se sentir só no mundo, o corte do cordão umbilical e a criação de identidade.
As abordagens do filme são várias, a do papel extenuante de um filho cuja carga da responsabilidade pelo emocional da mãe o consome; a do papel da mãe que abandonou todos os outros papeis, inclusive o de mulher, para ser mãe, e que percebe-se naufragando; o de um pai que não consegue conciliar seus papeis: o de pai, o de marido e o de homem; e a mais profícua delas, a da saga interior desse crescimento solitário que se inicia num grande colapso e que personifica o rito de passagem e o start no mundo com consciência própria. O longa-metragem pelo abordagem do fio do amadurecimento nos remete a “Ausência” (2014) de Chico Teixeira, em que a carga de responsabilidade de Serginho é extremamente pesada e que seu amadurecimento vem pela dor e por aprender a administrar a solidão do crescimento com a ousadia da caminhada.
Em “Ponto Zero” o que brilha são o roteiro, escrito pelo diretor José Pedro Goulart de “Felicidade é…” (1995), a fotografia genial de Rodrigo Graciosa de “Em Busca de um Lugar Comum” (2012), e o som de Christian Vaisz, Kiko Ferraz e Gabriela Bervian. No primeiro,o argumento do amadurecimento de forma poética e singular; no segundo, a metaforização desse processo em imagens belíssimas; e no terceiro, o som que potencializa a imagem e nos transporta juntamente com seis poemas de Cecília Meireles recitados e embalados por uma trilha sonora que faz a cola com todos os aspetos cinematográficos e que ajudam a contar essa história. O filme abocanhou o Kikito de ouro de melhor som do Festival de Gramado 2015 com uma história simples e cotidiana contada de forma sine qua non. Em tempo, mencionar a atuação Sandro Aliprandini é mais que justo, pois ficou na medida, com seus silêncios e olhares que gritam sem fazer barulho. Para um estreante, começou com o pé direito.
Em suma, “Ponto Zero” é uma produção nacional que tem como abordagem o amadurecimento e como viés a poesia, a de fato e a imagética, e é de uma grandeza pouco vista. Soberbo!
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