Se essa vila não fosse minha. (Documentário); Diretor: Felipe Pena. Brasil, 2014.
O cinema como instrumento para fazer a revolução era o sonho de Einseinstein. Que o via como uma ferramenta política, principalmente por já ter nascido sendo um veículo de massa, que atinge um grande contingente de pessoas ao mesmo tempo. Logo, revolucionário e desauratizador. Jean-Luc Godard, em seu filme “Alphaville” diz que “No cinema se morre e se mata (…) o cinema é lugar ideológico”. Mas não se trata de torna-lo um campo de batalhas ou de militâncias e sim, um espaço de ebulição de ideias, um canal de liberdade de coexistência pacífica de linhas diferentes de pensamentos.
Esse ano tivemos lançamentos na linha político/militância em relação as manifestações ocorridas no Rio de Janeiro em junho de 2013. O primeiro deles, “Rio em Chamas” de uma dúzia de diretores militantes que conseguiram colocar no circuito carioca de cinema a sua versão dos fatos, fizeram com que suas narrativas sobre o evento fossem ouvidas por uma parcela da população, que possivelmente, passou ao largo de tudo o que aconteceu, em termos de participação efetiva. Em seguida com “Junho – o mês que abalou o Brasil” de João Wainer tivemos a versão jornalística do mesmo evento, que inclusive, venceu o prêmio Esso de melhor cobertura. E para fechar o ano com chave de ouro, no que diz respeito a reflexões políticas, temos “Se essa vila não fosse minha” de Felipe Pena. Um documentário que registra a resistência de moradores da Vila Autódromo, em relação a remoção de seu local de residência, para a construção do parque olímpico para as olimpíadas de 2016.
O documentário é um “Patchwork” de lógicas. Dá oportunidade aos moradores de se manifestar e defender sua posição, tanto os que ficaram, quanto aqueles que já saíram. É um filme que documenta a mentalidade política de um tempo, traçando a história da constituição da Vila Autódromo, desde a construção do Autódromo de Jacarepaguá até o momento presente. E aposta na alteridade, a capacidade do ser humano de despir-se da sua lógica, dos seus porquês e da forma com que vê aquela realidade a partir de suas redes, e entrar na lógica do outro, procurar entender os motivos daqueles que expressam suas opiniões e suas razões para tal.
Tecnicamente é um documentário, com uma narrativa não-cronológica, com intervenção clara do documentarista, uma fotografia seca, empoeirada e sufocante, que tem a intenção de transportar o espectador para essa realidade através da sensação. Com uma trilha sonora que são as músicas da comunidade, e é claro, o barulho das marretas, britadeiras, escavadeiras e retroescavadeiras fazendo o acabamento final da sinfonia provoca identificação e incômodo. É uma produção independente, fruto da parceria da CEPTV produções e ensino, outras duas produtoras – A Pixel e Tabu, com integrantes da equipe trabalharam de graça e sem financiamento através de leis de incentivo a obra nos remete ao “No quarto de Vanda” , que faz parte de uma trilogia sobre desocupação e consta dos filmes “Ossos” e “juventude em marcha” do cineasta português Pedro Costa. E que registra a desocupação dos moradores do Bairro de Fontainhas, em Lisboa.
A distribuição e exibição no circuito ainda está em negociação, mas a princípio deve ser exibido no Canal Brasil. O objetivo da obra de Felipe Pena, possivelmente, é o de desconstrução de uma lógica hegemônica de pensamento, que se impõe desrespeitando as diferenças. A obra “Se essa vila não fosse minha” incomoda, tira da zona de conforto e nos obriga a pensar fora da caixinha, se por no lugar do outro e exercitar a alteridade. Não se trata de dar voz, eles as têm a mais de trinta anos, se trata de emprestar os ouvidos. Com o documentário fazemos o exercício do cinema para além do entretenimento.
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