Sob as Escadas de Paris (Sous Les Étoiles de Paris) (Drama); Elenco: Catherine Frot, Mahamadou Yaffa; Direção: Claus Drexel; França/Bélgica, 2020. 86 Min.
Esqueça a Paris de Woody Allen, a cidade luz, a eterna capital mundial da cultura com seus monumentos históricos e seu glamour. Esqueça a Paris das conversas de madame e dos intelectuais de plantão. O cineasta Claus Drexel nos traz a Paris dos desfavorecidos, dos migrantes, dos sem-teto. O retrato do resultado das politicas neoliberais e dos movimentos migratórios por conta de conflitos geoeconômicos. “Sob as Escadas de Paris” é uma ficção que serve de personagem conceitual para pensarmos o outro como pessoa, como alguém que existe de fato por trás dos estereótipos construídos por uma sociedade desigual. O longa de Claus Drexel é um elemento que traz para debaixo dos holofotes as dicotomias das ações humanas, sem a menor pretensão de explicar nada, ne criar juízo de valor, apenas apresentar. O argumento é um recorte de tempo na vida de uma mulher sem-teto num processo de cura, ao mesmo tempo que é um álibi para mostrar o outro lado de Paris, o escondido, o desconhecido. É uma viagem pela Paris que ninguém vê, ou quer ver.
Christine (Catherine Frot) é uma mulher de meia-idade, sem-teto, que dorme sob as escadas de uma das ponte do rio Sena. Numa noite de inverno surge em seu espaço dormitório Suli (Mahamadou Yaffa), um menino eritréio (África central), de 8 anos, que não fala francês, faminto e à procura de abrigo e proteção. Christine à princípio o rechaça até descobrir que o serviço de imigração havia prendido sua mãe e que ela seria deportada. Christine, então, decide ajudar o pequeno Suli a encontra-la. A aventura começa aí. Para os personagens, em seu processo de interação e cura de feridas; e para o espectador, um passeio pelo lado feio da cidade luz. Em que é apresentado o café da manhã para os moradores de rua realizado pela Igreja Saint Leu – Saint Gilles (filmagens em locu com os participantes reais) no primeiro bairro de Paris. O espectador também conhece as tendas dos acampamentos do canal de Saint Martin e o acampamento migrante do porto de La Chapelle, numa viagem dissonante daquilo que turisticamente é a cidade de Louvre .
A ficção roteirizada por Claus Drexel e Olivier Brunhes é resultado de experiências anteriores de registros de sem-teto nos documentários “Au Bord du Monde” (2013), que aborda a vida de sem-teto na França, e “América” (2016) que faz o mesmo no Arizona, em plena campanha presidencial de Donald Trump nos Estados Unidos. Misturados a conversas, observações e muita vontade de “entender pessoas que não entendemos”*.A personagem de Christine foi uma homenagem à uma das mulheres retratada em “América”. A inserção de um menino imigrante foi ideia adicionada ao longo de laboratórios com Catherine Frot. Muitos atores que estão em cena não são profissionais e sim pessoas reais dentro do contexto que o filme aborda. Mahamadou Ayaffa foi escolhido numa atividade de teatro amador num dos acampamentos de migrantes. O resultado é dignificante, inteligente e faz pensar fora da caixinha. Não há interesse em saber porque as pessoas chegaram àquele momento, ou àquela situação, mas verificar que continuam sendo pessoas que têm suas questões, que estão vivendo suas vidas e se curando de suas feridas. A questão dicotômica da ajuda ferrenha que habitantes da cidade são a sem-teto, que são pertencentes à cultura, à cidade e ao sistema e a repulsa que têm por quem é migrante é abordada de maneira estupenda, sem julgamentos. Apenas, trazendo a questão para ser pensada.
“Sob as Escadas de Paris! é um filme que apresenta o lado filosófico do cinema. Que dá ênfase a esse papel que o cinema têm de trazer assuntos que ninguém quer pensar para as rodas de conversa. Provando que o audiovisual é muito mais que entretenimento.
O longa está disponível nas plataformas streamings: NOW, Vivo Play, Looke, Google Play, Microsoft Stream, Apple TV.
*Palavras da filha de Claus Drexel sobre os filmes que o pai realiza
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