O site Cinema & Movimento teve a oportunidade de entrevistar o produtor pernambucano Tiago Melo, cujo currículo é recheado de boas referências, como: “Bacurau” (2019), “Aquarius” (2016) e “Boi Neon” (2015). Agora Tiago inicia sua carreira como diretor de cinema estreando com “Azougue Nazaré” que versa sobre aculturação dos costumes de um povo por uma corrente hegemônica religiosa; sobre a intolerância em relação às religiões afro no berço do Maracatu, a cidade de Nazaré da Mata. O cineasta pernambucano nos recebeu por telefone na tarde do dia 12/11/2019 e falou sobre a sua inspiração para fazer o filme, sobre o maracatu e sua importância cultural na região, sobre seu objetivo de abordar o assunto da religiosidade hegemônica e seus projetos futuros.
C&M: Como surgiu a ideia de falar sobre intolerância religiosa em um filme?
Tiago Melo: Eu já queria falar sobre isso há um tempo. Agora com esse acirramento a oportunidade veio. Tradições culturais populares sendo deixadas para trás por causa de religião, sempre foi um retrato do Brasil em geral. Então escolhi uma cultura forte – o Maracatu rural – na cidade de seu berço, onde ele é símbolo de resistência. Eu queria falar mesmo é para a cidade de Nazaré da Mata, provocar esse debate. E agora a gente está levando para o mundo inteiro.
C&M: No filme o Pastor é o Mestre Barachinha. Conta para gente como é isso?MTiago Melo: O mestre Barachinha é uma das figuras mais importantes do Maracatu. Ele é um referencial e achei que se ele interpretasse o Pastor era alguma coisa que causaria efeito, traria peso à questão e elevaria a função social do filme, então a gente foi conversando e a coisa foi acontecendo.
C&M: Você não tem receio de represálias religiosas ou o que quer que seja em relação à sua abordagem no longa?
Tiago Melo: Não. Nós fizemos no último final de semana uma sessão na praça da cidade com 1.500 pessoas. No mesmo final de semana que o ENEM teve como tema da redação a democratização ao aceso ao cinema. Achei bom isso. Eu conheço pastores evangélicos que adoram o Maracatu e outros, que não gostam. Conheço, também, pastores que condenam a atitude posta no filme de demonização da cultura popular. Quem segue o verdadeiro cristianismo é contra o discurso da demonização.
C&M: Tiago você está aí em Pernambuco e nós aqui em Porto Alegre, no extremo sul do país. O Brasil é imenso e multicultural. Não dá para conhecer tudo, saber de tudo. Você poderia resumir para quem não conhece o Maracatu, o que é essa atividade cultural?
Tiago Melo: O maracatu é uma prática cultural de Nazaré da Mata que descende de escravos da cultura canavieira. É uma arte de resistência. É uma dança que passou por problemas com a religião, com a polícia, mas resiste.
C&M: Verificamos que na trilha sonora você pôs os nomes dos embates/repentes nos créditos e que a música é um elemento bem marcado no filme. Fale-nos sobre a trilha sonora:
Tiago Melo: A trilha foi composta pelo Mestre Anderson que faz a personagem do Neymar. As músicas diegéticas do filmes de uma maneira geral, tanto as evangélicas quanto as do Maracatu foram compostas por mim e por ele. Fiz as evangélicas e Mestre Anderson as do Maracatu. Coloquei nos créditos porque temos o costume de achar que tudo o que é popular não tem autor. Então pontuar essa autoria, respeitar esse trabalho é importante. O preconceito com a cultura popular faz com que exista diferenças de tratamento da apresentação ao cachê. E é importante desfazer isso.
C&M: Vimos que em sua carreira você foi um dos produtores de “Bacurau” e de “Aquarius” e que tem uma carreira que está em pleno desenvolvimento. Então gostaríamos de saber quais são seus próximos projetos.
Tiago Melo: Meu próximo filme será uma ficção científica que é um desdobramento de um curta filmado a algum tempo chamado “Urânio Picuí”. Neste há um registro de uma oralidade, de histórias que se contam de geração em geração e que se agigantará neste longa (ainda sem nome) que será rodado no sertão da Paraíba. Seria uma espécie de “Maracatu Atômico”.
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