Chegou a vez de “Bernard and Huey”, uma produção americana dirigida por Dan Marcish que tem uma pegada no estilo Woody Allen; do filme argentino “Uma Espécie de Família”, uma co-produção com o Brasil que aborda as adoções clandestinas na América Latina com uma história de ficção muito competente e cheia de camadas analíticas; do antilhano da República Dominicana “Cocote” que aborda o sincretismo religioso, as rivalidades e os limites humanos dentro do contexto das crenças; e finalmente, “Félicité” o ganhador do Urso de Prata do Festival de Berlim (Grande Prêmio do Juri) que uma produção francesa/senegalesa/libanesa/belga/alemã que insiste na gramática cinematográfica africana e impõe a língua lingala, um das línguas bantus da República Democrática do Congo. Confira os trailers e as primeiras impressões!
Bernard and Huey de Dan Mirvish. EUA, 2017. Colorido. 98 Min. Ficção.
Pense nos filmes de Woody Allen com sua pegada existencialista e psicanalítica, discutindo relações do cotidiano. É assim o mais recente filme de Dan Mirvish de “Entre Nós” (2012) que aborda a amizade entre Bernard (Jim Rash) e Huey (David Koetchner). Baseado na obra do ganhador do prêmio Pulitzer Jules Feiffer o longa relata o reencontro dos dois amigos vinte anos depois do início dessa amizade na juventude. Os problemas continuam os mesmos: mulheres. Mas, a abordagem é inteligente, humana e muito elegante. A forma com a qual cada um se relaciona com as mulheres de suas vidas: ex-esposa, filha, namoradas, ex-namoradas etc. Oque mudou com a idade foi a forma de se ver essas mulheres e consequentemente, de se relacionar com elas. Um belo filme para quem gosta de discutir as relações.
Uma Espécie de Família de Diego Lerman. Argentina/Brasil/Polônia/França, 2017, colorido, 95 Min. (ficção)
Dirigido por Diego Lerman de “Refugiado” (2014), o filme argentino “Uma Espécie de Família” versa sobre as adoções de crianças pobres do norte da Argentina. As táticas para burlar a lei e o uso da dor das mulheres que não conseguem ser mães biológicas para extorquir dinheiro. Mas abordagem não visa fazer juízo de valor e sim mostrar as várias perspectivas de uma questão séria: a da mãe que não tem condições financeiras de sustentar mais um filho, a da assistência social que tenta burlar uma lei tosca que impede um nascituro de ser amado, o do Estado que tem por obrigação combater o tráfico humano. “A Sort of Family” (título internacional) tem na sua metáfora a extensão do conceito de família,à da ligação de amor, a da ligação de sangue, a da ligação de máfia. Mas, em seu cerne prevalece a consideração do amor que une de forma dissonante interesses diversos e alarga esse conceito que é cada vez mais ultrapassado em sua tradicionalidade.
Crítica completa (Aqui!)
Cocote de Nelson Carlo de Los Santos. República Dominicana/Argentina/Alemanha/Catar, 2017. Colorido e P&B, 106 Min. (ficção).
A crença espiritual, seja em quê for é um direito humano e deve ser respeitado, mesmo que se diferencie em aspectos ideológicos/religiosos. O que Nelson Carlo do Los Santos faz é juntar linhas diferentes de pensamentos e práticas religiosas e promover uma viagem entre semelhanças e diferenças; entre a intolerância e o respeito, com uma história que, na verdade, traça um painel antropológico. O mote para tamanha reflexão é simples, um jardineiro protestante que trabalha para uma família abastada tem que ir para sua aldeia fazer uma visita à sua família por conta do falecimento de seu pai. O patrões concedem a dispensa e lá se vai Alberto (Vicente dos Santos) com sua bíblia debaixo do braço participar dos rituais ou não, dos mortos que sua família tradicionalmente realiza, quando da ocasião, por serem devotos de religião de matriz africana. O que vemos então é um embate ideológico, que invade a vida daqueles personagens por optarem por crenças diferentes, em que são abordados em seus rituais as semelhanças e diferenças entre elas, E ainda, o que sobrepuja a todas elas, o humano. O longa é para ser degustado com respeito, despido de qualquer tipo de pre-conceituação ou de qualquer juízo de valor. É para os que querem aprender sobre a vida e sobre o ser humano e apar quem tem um veio antropológico correndo no sangue.
Félicité de Alain Gomis. FRança/Senegal/Líbano/Bélgica/ Alemanha, 2017, Colorido, 123 Min. (ficção)
Esqueça as gramáticas cinematográficas americana, francesa, europeia, nórdica etc.. “Félicité” é dirigido pelo afro-francês Alain Gomis também conhecido como Formose Gomis que não nega as raízes e empreende a gramática cinematográfica africana, como se vê em “Timbuktu” com uma linha de cotidiano, lenta e altamente significativa. Mas sem o glamour e os recursos do longa de Abderrahmane Sissako para desenvolver uma obra cinematográfica. Mas, mesmo assim, “Félicité” abocanhou o Urso de Prata do Festival de Berlim – prêmio do juri. O enredo é simples, uma cantora congolesa Félicité ((Veró Tshanda Beya Mputu), cujo filho sofreu um acidente e precisa de recursos para tratá-lo. Logo, inicia sua saga de trabalho para captar esses recurso e é ajudada por um cliente do bar, Samo (Gaetan Claudia) onde canta todas as noites. Sem núcleos financeiramente privilegiados a história se ancora no cotidiano de pessoas pobres tentando se ajudar e, algumas vezes, se enganar umas as outras. O enredo tem uma trama cheia de poesia no meio da miséria física e espiritual muito bem desenhados e seu grande mote é tirar de tudo isso conexões de afeto que se desenham silenciosamente; a abordagem vai do grotesco profano á pureza de sentimentos. O filme é longo, lento e bem típico do estilo dos filmes nigerianos e impõe suas musicas e seu idioma – o lingala, das línguas bantus comuns da república do Congo – e o espaço – a cidade de Kinshasa. O filme de Alain Gomis mostra que perpassa por nós todos os nós das redes de significações do mundo e que somos todos iguais. Para quem gosta de cotidiano é uma boas pedida.
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