Bacurau (ação/Aventura/Mistério); Elenco: Barbara Colen, Thomás Aquino, Sonia Braga, Udo Kier; Direção: Kleber Mendonça Filho e Julio Dornelles; Brasil/França, 2019. 131 Min.
Bacurau já está em cartaz há mais de um mês, aproximadamente, com salas cheias, filas fazendo voltas na rua e uma bilheteria considerável para um filme nacional desse nicho. O aspecto positivo de se optar por fazer análise ao invés de crítica cinematográfica é a possibilidade de se inserir uma série de variantes que não são comuns em uma crítica. Por exemplo, a reação do público à obra, a tempo de duração nas salas de cinema e a liberdade de se falar de algumas cenas que de outra forma atrapalharia a experiência do espectador. Nessa linha de abordagem vamos dissertar sobre o filme em seu contexto de produção, seu reconhecimento internacional, sua despretensão a prêmios americanos e suas metáforas políticas.
Depois de “Aquarius” que versava sobre a resistência individual de uma mulher em relação a especulação imobiliária, Kleber Mendonça Filho versa, agora, sobre a resistência coletiva ante ao extermínio de um povo e de uma cultura através da história do povoado de “Bacurau”. Uma cidadezinha no interior do sertão nordestino, como é de seu feitio colocar Pernambuco e o nordeste como chão de suas histórias. A história crua é a de uma cidade pequena de se defende de ataques de forasteiros – não por acaso americanos – o prato pronto é mais rico, mais temperado e cheio de camadas que incluem metáforas sensacionais.
Bacurau tem um povo pobre, simples, que sofre com desmandos políticos locais – não tem água, a escola não tem livros, são necessários alimentos e medicamentos. Mas o seu coletivo tem de sobra, orgulho de seus costumes, de sua cultura e valores. São unidos e discutem as questões pertinentes ao seu cotidiano. Têm criticismo, politização e união, são inteligentes como coletivo, valorizam seu modus vivendi e subitamente perdem sua matriarca Carmelita que criou filhos e netos que têm profissão, valores, honra e estão espalhados por todo o Brasil. Em sua despedida está Teresa (Barbara Colen) que é o cicerone do espectador na história, e Domingas (Sonia Braga) a médica que cura as feridas dos cidadãos e também serve de porta-voz em alguns momentos. O maestro silencioso e organizador das ideias do povoado é o professor (Wilson Rabelo) que conduz mas não induz. Orgulhosos de sua história e de sua cultura têm no pequeno museu da cidade um referencial de identidade. O prefeito da cidade Tony Júnior (Thardely Lima) é o oportunista que todos rechaçam sem violência e que leva para os moradores remédios tarja-preta vencidos. Quando percebem que estão sendo atacados unem-se usando um comprimido que abre os olhos para a ‘verdade’. Os inimigos são americanos municiados com alta tecnologia que estão ali para matar por prazer. Com tudo isso está montado um palco espetacular para se versar sobre a força da união, da resistência, da fidelidade às raízes culturais e o bom uso da manutenção dos olhos abertos.
Essas premissas são todas postas no longa-metragem como metáforas, os comprimidos tarja-preta que servem para dopar, para deixar o povo letárgico e manipulativo e os que servem para abrir os olhos. A valorização cultural dada pela indicação e orgulho do museu, que serve para armar os cidadãos para rechaçar os forasteiros. “Bacurau” é uma parábola. Uma história fictícia que se remete àquilo que se encaixa nela por similitude. A metáfora da mesa posta com produtos da cultura e do chão da cidade – a comida – que serve para conhece-los e se dar boas-vindas é rejeitada de forma violenta. O que interessava aos forasteiros era sua extinção, seu desaparecimento.
Traçando um painel dos filmes de Kleber Mendonça desde “O Som ao Redor” (20120 percebe-se um conteúdo do reconhecimento da força dos oprimidos de resistência a desmandos. Suas obras, até aqui, são uma historiografia audiovisual da resistência postas de formas diferentes, de lugares diferentes de tipos de indivíduos diferentes na sociedade. Sua linha de expor a inteligência do homem ordinário e do movimento de defesa de valores universais como a vida, a dignidade e a justiça.
Quanto a premiações “Bacurau” foi vencedor do prêmio do juri no Festival de Cannes; melhor diretor, melhor filme e prêmio da crítica no Lima Latin American Film Festival e; melhor filme estrangeiro no Munich Film Festival. Mas, dessa vez o Oscar que se exploda, a vertente do filme não é somente artistica, mas, eminentemente, política e não carece de indicação a nada. Se não foi com “Aquarius’ com 37 premiações, todo um currículo para tal e vontade de chegar lá, e que fora solapado pelas rasteiras (políticas) da vida; Com “Bacurau” não o seria nem na intenção. O indicado do Brasil já saiu e faz jus à indicação (ufa!). Mas “Bacurau” é uma ovação ao prazer da politização e à necessidade da resistência. A resistência de um povoado que nem está no mapa, composto de inexistentes e que, nem por isso deixa de ter história – mesmo que não reconhecida pelos de fora – mesmo com um povo sem formação intelectual não deixa de ser politizado, nem deixa de cultivar seus costumes e fazer uma ode à sua cultura. Nicho esse, que é o sustentáculo de toda união coletiva que se vê no enredo – um sonho de consumo para ninguém botar defeito.
“Bacurau” é uma ovação aos costumes da minorias, um painel de potencialidades, de sagacidades e astúcias contendo todas as contradições em suas metáforas – o cangaceiro de unhas pintadas -“Bacurau” é brasileiro. “Bacurau” é uma metáfora sobre o poder do povo. “Bacurau” é o Brasil. Oxalá!
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