A Mulher que Se Foi

A Mulher que Se Foi

Por | 2016-10-26T18:02:56-03:00 26 de outubro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

A Mulher que Se Foi (Ang Babeng Humayo/ The Woman Who Left) (Drama); Elenco: Charo Santos-Concio, John Lloyd Cruz, Michael De Mesa, Nonie Buencamino; Direção: Lav Diaz; Filipinas, 2016. 226 Min. #FestivalDoRio2016

Nota: o trailer acima é o mais completo em relação aos aspectos mostrados na obra, apesar de não ser legendado.

O vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza 2016 tem quase 4 horas de duração, é em preto e branco e vem da Ásia. Dirigido por Lav Diaz o longa-metragem conta a história de uma mulher injustiçada que cumpre seu destino com resignação e não abandona a gentileza nem a solidariedade, apesar da dureza de seu cotidiano. E esse é o viés da obra de Lav Diaz, a nobreza humana na lama da existência com todas as sua impurezas.

Inspirado no conto de Leon Tolstói “God sees the truth, but waits”, “A Mulher que Se Foi” nos apresenta Horácia/Renata (Charo Santos-Concio). Uma mulher presa injustamente por uma armação de um seu ex-namorado, Rodrigo Trinidad (Michael De Mesa) e por conta disso, separada de seus filhos e do homem com quem vivia. A pena durou trinta anos, quando o verdadeiro criminoso confessou o feito e Horácia pode ser libertada. Ao retornar à sua casa encontra novos moradores, tem a notícia da morte de seu companheiro e  de que seus filhos estavam separados. Tenta reavê-los e se aproximar deles em meio a um plano de vingança lento e silencioso  contra Rodrigo Trinidad. A maestria da obra está no roteiro. Horácia, agora Renata não deixou o ódio se apossar de sua alma, continuava sendo terna, gentil, solidária, seja por resistência, seja por camuflagem ela procurava não alimentar a criatura horrenda que insistia em aparecer por conta de tudo o que havia vivido. Lav Diaz conseguiu transpor para a telona o que o ser humano tem de nobre e os efeitos disso no outro. O filme é sobre a aura das pessoas. E para que esse diferencial seja enfatizado o contexto é duro e difícil: a prisão, a perda da família, o convívio com os desafortunados, o ódio que se cala substituído pela compaixão; a homofobia, as situações de dependência do outro para o básico: do socorro ao afeto. A dualidade da natureza humana  e seus conflitos estão  personificados em Horácia/Renata, habitando a mesma pessoa, manifestados em situações cotidianas. Mas a mais forte e potente abordagem é a da gratidão.

Lav Diaz é um escritor, diretor e editor filipino que tem como característica a lentidão, a possibilidade de se vaguear o olhar pelos takes longos. Cineasta independente, é conhecido pelos premiados “Noite, o Fim da História” (2013) e “Do que Vem Antes” (2014). Em “The Woman Who Left” (no original) liberou sua arte através dos diálogos que fluem com sentenças estruturais que vão para além do que a palavra diz. A opção em preto e branco tornou a obra visceral  e sem distrações. Ter sido baseado num conto de Tolstói ajudou na harmonia com o estilo do cineasta, já que o escritor também é lento, detalhista e perfeccionista nos relatos das  pequenas atitudes do cotidiano. Lav Diaz roteirizou, editou e fez a fotografia do filme, imprimindo nele seu modo de ver, de sentir e de transmitir.

“A Mulher que Se Foi” é um filme glorioso e revolucionário em pequena escala. Que nos mostra que pequenas palavras, ideias e ações mudam uma vida, para o bem ou para o mal. O filme com quase quatro horas de exibição só perde para “E o vento Levou” (1939), no gênero ficção, e é um tempo muito bem investido para refletir sobre o movimento da vida e o que a gente faz com ela. “A Mulher que se foi” é uma meditação subversiva. Uma Obra-prima!

  • Mostra Panorama do Cinema Mundial #FestRio2016

 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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