A Região Selvagem (La Región Salvaje/ The Untamed) (Drama); Elenco: Kenny Johnston, Simone Bucio, Jesus Meza, Ruth Ramos, Eden Villavicencio; Direção: Amat Escalante; Mexico/Dinamarca/França/Alemanha/Noruega/Suiça, 2016. 100 Min. #FestivalDoRio2016
Amat Escalante, espanhol de nascimento e mexicano de coração e naturalização, em seu mais recente filme aborda a libido e sua força na vida das pessoas, para além das normas sociais. E faz isso de forma didática abordando o cotidiano e personificando a libido e sua força motriz primitiva através de uma criatura sem gênero e desprovida de nuances de fetiche humano. Amat Escalante cria uma mitologia latina para o desejo e o exercício de sexualidade através de uma história complexa e cheia de camadas.
Várias histórias se cruzam tendo como interseção o desejo sexual. A de uma mulher casada, mãe de dois filhos e infeliz. A de um marido que mantém relações sexuais com o cunhado. A de um médico que tem uma vida secreta, a de uma mulher sozinha e misteriosa que descobre o poder do exercício da sexualidade e o prazer sem limites e a de um casal de idosos que cuida de uma criatura não-humana que é a personificação da libido em seu modo mais primitivo. O cineasta aborda o cotidiano de pessoas comuns, o poder repressor das normas sociais de comportamento, a potencia da sexualidade e o viés de domínio que ela exerce sobre nós. Tudo isso sem ser pornô, sem ser explícito, sem ser acintoso, mas sendo polêmico e ousado. Escalante e Gibran Portela (roteiro) aborda com uma contundência classuda o tema através do uso da arte cinematográfica, tanto no que diz respeito às metáforas quanto à criação artística dessa criatura sem gênero, sem afetações de fetiche e que encarna visceralmente a possibilidade do desejo puro e primitivo. O filme pode ser definido como uma ode à criatividade.
Escalante é um diretor relativamente jovem (37) que costuma abordar temas viscerais como: violências, poder paralelo e sexualidade. Não economiza na abordagem, não bota panos quentes, pega pesado e mostra através de metáforas geniais o nível de profundidade de seu viés de abordagem. Em suas histórias estão misturadas a natureza humana, seu exercício e sordidez com nuances diversas e múltiplas camadas de assuntos: do cotidiano à política. O cineasta prima por abordagens complexas e o faz com competência. Em “Sangre” (2005) brinca com o repulsivo, o filme foi exibido na mostra Un Certain regar do Festival de Cannes, em Rotterdan e San Sebástian; em “Heli” (2013) fala sobre o poder paralelo num vilarejo do México e foi indicado à Palma de Ouro. Agora, com “A Região Selvagem” ganhou o Leão de Prata (melhor diretor) no Festival de Veneza 2016.
Os filmes de Escalante sempre dispõem de poucos recursos financeiros, neste caso, em específico, o pool de países a produzir o projeto (Mexico, França, Dinamarca, Alemanha, Noruega e Suiça) trouxe alguns luxos aos quais o cineasta não estava acostumado. Uma composição musical feita especificamente para o filme, o diretor de fotografia de Lars Von Trier em “Melancolia” (2011) e Ninfomaníaca (2013), na edição Jacob Secher Schulsinger de “Força Maior” (2014) e no roteiro a colaboração de Gibrán Portela de “Güeros” (2014) que fala sobre o movimento político da juventude mexicana. O detalhe é que, em relação aos atores, Escalante prefere trabalhar com não atores, sua ênfase é no assunto e na abordagem.
Em suma, o México tem mostrado que também é um celeiro profícuo de talentos na produção cinematográfica e de colaboração respeitosa na história do cinema mundial com nomes como Cantinflas, Iñarritu e agora Amat Escalante, e ainda outros. “A Região Selvagem” é um filme filosófico e político no que diz respeito à forma como agimos com relação àquilo que, na verdade, nos controla. Além de ser um painel da nossa primitividade como seres sociais e uma confissão classuda de que a natureza vence sempre. Vale a pena conferir quando entrar em cartaz.
- Mostra Panorama do Cinema Mundial
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