A Terra e a Sombra

A Terra e a Sombra

Por | 2018-06-17T00:12:54-03:00 20 de dezembro de 2015|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

A Terra e a Sombra ( La Tierra y La Sombra). (Drama); Elenco: José Felipe Cárdenas, Haimer Leal, Edison Raigosa, Hilda Ruiz, Marleyda Souto; Direção: César Augusto Acevedo; Colombia/França/Brasil/Chile/Holanda, 2015. 97 Min.

“A Terra e a Sombra” é um filme de recursos módicos, que enfrentou dificuldades durante suas filmagens, em relação ao que o diretor queria fazer e o que os donos da terra onde estavam sendo realizadas as filmagens, permitiam. É uma produção de um país cuja história do cinema registra sérias dificuldades de fomento e leis de incentivo. E mesmo assim tem produzido filmes que são exibidos em festivais internacionais, a exemplo de “Mãos Sujas” (2014) de Josef Wladyka. A característica principal dos filmes colombianos que  ultrapassam as fronteiras do país é a co-produção com outros países, e com “A Terra e a Sombra” não foi diferente. Com participações de França, Brasil, Chile e Holanda, o filme versa sobre uma mãe turrona, manipuladora e que usa de chantagens silenciosas de afeto para manter sua família num canavial com queimadas diárias, num trabalho sem salário, com um filho doente e sem recursos médicos. E mesmo assim se nega a sair do lugar. A pergunta que poderia ser o start do filme é: Até onde vai o poder de uma mãe? e analogicamente se estender à própria Colômbia em relação aos seus filhos.

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Em uma terra erma uma família, chefiada por uma mulher, Alícia (Hilda Ruiz), mora e trabalha num canavial e tem um homem doente dos pulmões dentro de casa, Geraldo (Edson Raigosa), devido as cinzas das queimadas daquela terra seca  e ao trabalho sem proteção. Manuel (Felipe Cárdenas) é um menino, neto de Alícia e filho de Esperanza (Marleyda Soto) com  Geraldo. Para que as mulheres possam trabalhar no canavial e tenha quem cuide da criança e do doente, chamam o avô Alfonso (Haimer Leal), que vem de longe, depois de 17 anos ausente, cuidar do filho e conhecer o neto. O longa versa sobre os tentáculos de poder de dominação dessa mãe, com uma resistência irredutível a ficar numa terra sem vida, num trabalho que não remunera e presa a grilhões invisíveis. O contexto é a relação familiar, o tema é a liberdade, aquela que se desfruta a partir do conceito: o de viver, de se libertar de grilhões;  e aquela que se exerce para escolher os grilhões.

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“A Terra e a Sombra” é um filme brilhante nesses aspectos. Em que a partir do microscosmo (que é a família) está imbricado o que o ser humano é fisiológica/sociológica/antropologicamente. A forma com a qual a gente funciona  na relação com o outro e com a nossa própria constituição como ser humano. O uso dos poderes e as questões relativas à liberdade manifestados nas metáforas da pipa, do canto dos pássaros, do cavalo preso, do filho que não respira, das janelas fechadas e de um trabalho que nâo tem frutos, são absolutamente espetaculares.

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Outros aspectos interessantes, esses no âmbito das tecnicalidades, é que somente Marleyda Soto é atriz profissional, o restante são locais preparados pela competente Fátima Toledo, brasileira de Alagoas, que tem experiência no preparo de atores e que trabalhou nos filmes: “Pixote: A Lei do Mais Fraco” (1981), “Central do Brasil” (1998),  “Cidade de Deus” (2002) e “Tropa de Elite” I e II (2007/2010), dentre outros. Ou seja, o filme é um celeiro de aprendizagens e um jarro bem trabalhado nas mãos de um oleiro. A fotografia de Mateo Guzmán e direção de arte de Marcela Gomes Montoya, são primorosas. César Augusto Acevedo, que além de dirigir também roteirizou diz ter sido inspirado no francês Robert Bresson, no russo Andrei Tarkóvski e no mexicano Carlos Reygadas para compor o roteiro. E para compor as imagens campesinas, nas pinturas do francês Jean-François Millet (1814-1875) que pintava representações de trabalhadores rurais. Sobre a subjetividade da abordagem, essa ficou por conta da junção do que está no plano com o que está fora dele; com takes longos, silenciosos e cansativos, mas absolutamente eficazes; e atuações que não brilham, ao contrário, à vezes são teatrais, e que, talvez por causa disso, são tão precisas em transpor a secura da terra para a alma das pessoas, conseguindo incomodar. Por tudo isso “A Terra e a Sombra” recebeu 8 prêmios mundo afora, 4 deles no Festival de Cannes 2015: O France 4 Visionary, o Grand Golden Rail, o SACD Awards, e o Golden Camera, o prêmio mais importante já recebido pelo cinema colombiano, até então.

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César Augusto Acevedo, que é jornalista e estreia seu primeiro longa-metragem, faz uma catarse e  uma viagem antropológica/psicológica, mas, também política,  nos trazendo reflexões sobre o quanto deixamos de ser livres por conta de laços afetivos e sobre os preços da resistência. Tudo isso com muita subjetividade e  arte, sem precisar ser uma super produção.

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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