Getúlio

Por | 2020-09-26T00:25:28-03:00 12 de maio de 2014|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Getúlio (Biografia/drama/história); Elenco: Tony Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges, Daniel Dantas; Diretor: João Jardim; Brasil, 2014. 98Min.

Nota: Este texto contém spoilers

Se tem um lugar na produção cinematográfica que chama público inteligente e que possibilita um passeio por épocas diferentes, outras mentalidades, modos de agir que desconhecemos, códigos comportamentais dos quais ouvimos falar mas não presenciamos e aspectos culturais que nos dão indícios de valores de uma geração, é o filme histórico. Aquele que se aventa a nos contar uma história, já sabida, assumindo uma de suas versões. E muitos diriam que o filme Getúlio é isso, um recorte dos últimos vinte dias, do então, presidente da república Getúlio Vargas (1954). E essa é a questão. João Jardim, em silêncio, ocupando os entre-lugares da narrativa oficial, burla essa “oficialidade” sem que muitos percebam, de forma inteligente e sutil, sem ser polêmico, nem contundente. E é sobre os dois enxadristas – Getúlio Vargas e João Jardim – que a gente vai falar.

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 O filme Getúlio tem como eixo condutor da narrativa o atentado ao jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), arqui-inimigo de Getúlio Vargas (Tony Ramos) e as tramas de Gregório Fortunato (Thiago Justino), fiel escudeiro do Getúlio, segurança particular e que foi chefe de sua guarda durante quinze anos. A cumplicidade entre Gregório e Getúlio sempre foi um capítulo à parte na vida política e particular do então Presidente. Mas no filme ele é o foco das questões,  e  é em torno dele que gira toda a trama e que se amplia para os aspectos políticos e psicológicos de Getúlio.

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Diferente do filme Sobral – o homem que não tinha preço (Paula Fiuza, 2012) em que a neta de Sobral era narradora e condutora da história, em Getúlio ela é contada pelo próprio. O que as duas obras cinematográficas tem em comum é a tendenciosidade natural que surge com o afeto de parentes e com a narrativa feita pelo próprio personagem. Porém, João Jardim, através de signos discretos, mas bem incisivos, nos premia com imagens fora de foco, lustres que giram causando tonturas e insinuando desequilíbrio, com imagens do teto do palácio que, do plano de visão partindo de Getúlio estão de ponta-a-cabeça, os pesadelos, que são porta de entrada de outras possibilidades e a fantástica cena, de aproximadamente trinta segundos, de Getúlio lavando as mãos embaixo do chuveiro, em um close em que os poros aparecem e em seguida se banhando por inteiro.

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A versão oficial é contada, a pessoa de Getúlio é engrandecida, a sua imagem de “pai dos pobres” de homem que pensa na nação é enaltecida, sua nobreza de alma e espírito são pregados o tempo todo e a noção de injustiça e traição em relação ao presidente paira no ar, emaranhadas com uma série de outras possibilidades que a linguagem imagética, silenciosa e brilhantemente nos brinda.

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A interpretação de Tony Ramos, o nosso  Lawrence Olivier made in Brazil, como Getúlio Vargas é digno de ovações. Os trejeitos com a boca, o olhar, a linguagem corporal, o movimento do sorriso e a impostação de voz é de uma meticulosidade na construção do personagem que dá gosto de ver.

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O figurino está impecável, os cenários, os carros, os utensílios das cenas, copos, garrafas, bibelôs, a reconstituição da década de cinquenta estão esplendorosas. E por trás disso ninguém menos que Carla Camurati (Carlota Joaquina – Princesa do Brasil, 1995). Os ângulos de filmagem na captação de Getúlio Vargas foram magistrais trazendo em voga cenas já conhecidas de jornais e revistas da época, livros didáticos e acervos sobre a vida de Getúlio para o recorte de tempo em a história é contada. A trilha sonora é um presente dos deuses e é executada pela orquestra de Budapeste. Em suma, é uma produção muito bem cuidada. É o cinema brasileiro dando seu ar da graça, resgatando um pouco da história do Brasil com competência, criatividade e inteligência e sem engessamento ideológico que a época reportada impinge.

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Aproveitando o ensejo é mais que obrigatório falar de João Jardim, um cineasta conhecido pelos premiados Lixo extraordinário (2010) e o documentário Janela da Alma (2001), ainda o  Pro dia nascer feliz (2006). Com Getúlio nos apresentou um político que teve uma espetacular e interessante passagem pela política, notório pela sua sagacidade, presença de espírito e capacidade de reverter fatos a seu favor, uma raposa que soube capitalizar inclusive a própria morte, num xeque-mate sem precedentes na história da política brasileira. E de forma perspicaz e audaz, João Jardim diz  o que se sabe oficialmente sobre a vida política de  Getúlio, sem se limitar a ela inserindo brechas inteligentes e sagazes sem causar polêmicas numa jogada muito bem feita.

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Dentre os presente recebidos com o filme Getúlio estão as atuações de Daniel Dantas como Afonso Arinos e Adriano Garib como General Zenóbio da Costa. Enfim, mesmo sabendo que a coluna vertebral da história era a vida política de Getúlio Vargas e não a sua vida pessoal, de todas as coisas que não são mostradas eu senti falta da Virginia Lane. rsrsrsr

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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