Ave, César! (Hail, Caesar!) (Comédia/Mistério); Elenco: Josh Brolin, George Clooney, Ralph Fiennes, Tilda Swinton, Scarlett Johansson, Christopher Lambert; Direção: Ethan e Joel Coen; Reino Unido/USA/Japão, 2016. 106 Min.
A História do cinema está repleta de cineastas irmãos que fizeram a diferença nessa caminhada cinematográfica de 120 anos. A começar pelos irmãos Lumière, a quem são atribuídos os primeiro momentos do cinema, mais tarde os irmãos Lafitte, responsáveis pela criação do cinema/arte. Tem também os contemporâneos irmãos Dardene de “Dois Dias, Uma Noite” (2014) e os Wachowski de “Matrix”, dentre outros. Os irmãos da vez são os Coen, Ethan e Joel, dois cineastas americanos, conhecidos por obras como: “Fargo” (1996) e “Onde os Fracos Não Tem Vez” (2007) e famosos por dirigir, roteirizar, produzir e editar seus próprios filmes. Pois bem, eles estão de volta às telonas com “Ave, César!” uma comédia sobre cinema com pitadas de história, política, reflexões filosóficas e alfinetadas. Tudo isso embalado para presente em forma de sátira.
“Hail, César!” (no original) conta a história de um dia na vida de Eddie Mannix (Josh Brolin) um produtor da Capitol Pictures, um estúdio fictício da década de 50, que além de administrar verbas, contratos de atores, decidir que filmes vão ou não ser filmados, ainda tem que zelar pela reputação dos astros junto a opinião pública. Ou seja, o mantenedor do “Star System” de Hollywood. Nesse dia a estrela do Filme Hail, César- Um Conto do Cristo (o filme dentro do filme), Baird Withlock (George Clooney) é sequestrado por roteiristas comunistas (uma referência irônica ao McCarthismo) que pretendem pedir um resgate para ajudar na causa socialista.
Enquanto essa história principal acontece muitas outras são trançadas ao redor apresentando subcamadas: a ilusão do cinema; a mistura de realidade e fantasia – da qual a melhor metáfora é a personagem de Tilda Swinton (Thora e Thessaly Tracker) – como sendo duas faces de uma mesma coisa; a inversão dos papeis em que a realidade do cinema é mostrada – o por detrás das câmeras – brincando com paródia de forma competente, com filmes como: “Interlúdio” (1946) de Alfred Hitchcock; “Um dia em Nova York” (1949) de Stanley Leonen e Gene Kelly; “A Princesa e o Plebeu” (1953) de William Wyler; “Spartacus” (1960) de Stanley Kubrick, “Ben-Hur” de 1925 e de 1959, de Fred Niblo e William Wyler, respectivamente; “A Rainha do Mar” (1952) de Mervyn LeRoy, dentre outros. O longa é um desfile grandioso de referências cinematográficas, seja nos posteres das paredes; nos takes que lembram cenas de filmes famosos, parodiando-os e homenageando-os; nas falas de script idênticas, no figurino etc… Além disso, fazem referência a “A Filha do Comandante” (1943) de George Sidney; “A Felicidade não se Compra” (1946) de Frank Capra;”Cantando na Chuva” (1952) de Stanley Donen e Gene Kelly; “Um Corpo que Cai” (1958) e “Intriga Internacional” (1959) ambos de Alfred Hitchcock, dentre outros memoráveis.
Para os cinéfilos de plantão, “Ave, César!” é um manjar. Um Patchwork de cinema no cinema, com uma pegada irônica e satíricas e reflexões sérias envoltas em muita graça. Vão da ironia usada com o McCarthismo ao ‘desempoderamento’ das atuações, com atuações brilhantes. O longa zomba do conceito de ‘verdade’ o tempo todo e descortina a ilusão da Broadway. Diferente de David Lynch em seus filmes “Cidade dos Sonhos” (2001) e “Império dos Sonhos” (2006) em que o pano de fundo é o submundo de Hollywood em que as tramas são usadas para descortinar o mundo das ilusões e buscar suas verdades, sua face mais dura. “Hail, César” só destrona a ilusão, não está interessado em verdades. Para quem não tem tanto tesão com cinema e curte filmes como um espectador comum, o filme vai parecer desconexo em alguns pontos, mas dá para aproveitar as piadas e o sarcasmo.
Resumindo, o mais recente filme dos irmãos Coen é pura metalinguagem, uma boneca russa de aspectos cinematográficos, filosóficos e políticos com um fino acabamento. Ethan e Joel desconstroem a ilusão do cinema usando o próprio cinema. Enfim, o suprassumo da ironia. Genial!
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