Berlin AlexanderPlatz (Drama); Elenco: Welket Bungué, Jela Haase, Albrecht Schuch; Direção: Burhan Qrbani; Alemanha/Holanda, 2020. 183 Min.
Baseado no romance homônimo de Alfred Döblin (1929) – cuja importância literária esta inserida no expressionismo alemão – o mais recente filme do cineasta de ascendência afegã, Burhan Qrbani, traz para os tempos atuais a história de Franz Biberkopf. Atualizando questões contemporâneas como a dos refugiados e a dos submundos da prostituição e das drogas na Europa hoje, o diretor e o roteirista Martin Behnke adapta esse monstro da literatura alemã para o cinema, sem perder o viés poético e de linguagem intrincada usando metáforas imagéticas potentes e procedentes. Transitando como titãs entre as duas linguagens.
A obra de Döblin tem duas adaptações para o audiovisual. A dirigida por Phil Jutsi em 1931 para o cinema, com consultoria do autor e, uma série de TV dirigida por Rainer Fassbinder em 1980. Agora é vez do cineasta alemão filho de imigrantes afegãos relê-la e reelabora-la num contexto de refugiados com a mesma maestria de Fassbinder, misturando linguagem poética com linguagem cotidiana moderna e o enviesamento da retórica bíblica, quase que como uma ode à Jó, materializando-a com todos os aportes tecnológicos que o cinema hoje permite.
“Berlin AlexanderPlatz” narra um recorte de tempo na vida de Franz Biberkopf (Welket Bungué) um refugiado da Guiné-Bissau que entra clandestino na Alemanha e tenta sobreviver. Mas, sobretudo, vê nessa nova vida a oportunidade de ser bom. E, assim encontra todas as dificuldades para cumprir seu intento, como se o destino estivesse contra ele. Nesse contexto se tem reflexões filosóficas e espiritualistas com metáforas fortes e contundentes, incluindo a narrativa eivada de conceitos bíblicos. O filme é uma viagem pelo submundo à margem da sociedade e uma saga pela sordidez humana. Nos remete à “Samba” (2014) dirigido por Olivier Nakache e Éric Toledano, e estrelado por Omar Si. Só que mais pesado, mais profundo e mais intrincado nos aspectos abordados e na linguagem da narrativa.
A direção precisa de Burhan Qrbani de “Sahada” (2010) traz questões atuais que não existiam dessa formanos primeiros anos do Século XX. Ele faz uma releitura e uma contextualização no tempo e na economia, na política, nos costumes e na degradação destes. E mantém a maestria da obra literária que é o seu entrelaçamento de linguagens. Aceitar o desafio de transpor para o cinema um livro que foi comparado a “Ulisses” de James Joyce não é para fracos. E Qrbani trouxe a realidade da Europa de hoje e história de seus ancestrais para a cena. O que desembocou num filme digno das três horas de exibição a que se presta. O elenco é um primor em sua interação e atuação. Com destaque para Albrecht Schuch (Reinhold) que rouba todas as cenas em que atua, no melhor estilo Tito Andrônico.
O longa foi exibido em vários festivais mundo afora como o de Berlim e a Mostra de São Paulo, sendo premiado em: Estocolmo (ator para Welket Bungué e filme); Prêmio Euroimage para Burhan Qrbani; Festival da Alemanha (ator coadjuvante para Albrecht Schuch, elenco, design de produção, fotografia e filme); European Film Award (trilha sonora); Batumi International ArtHouse Film Festival (ator principal e coadjuvante).
Em suma, “Berlin Alexanderplatz” é um filme dividido em cinco partes de cunho filosófico existencialista e cuja história gira em torno da Praça Alexander. Lugar de referencia e frequência do operariado do início do século XX. A praça é o lugar onde vidas atuam em sua existência e mescla uma variante de histórias e camadas de histórias desde Alfred Döblin em 1929. Só mudam os personagens e o contexto. Alexanderplatz é a testemunha muda de histórias reais e imaginativas, felizes e tristes e é palco de uma obra cinematográfica alemã contemporânea que leva seu nome e que deve ser conferida pelos cinéfilos do mundo, porque vale o quanto pesa e cada segundo dispensado ao assisti-la.
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