‘Buscando’…Hitchcok em tempos de internet

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‘Buscando’…Hitchcok em tempos de internet

Por | 2018-09-21T15:01:00-03:00 21 de setembro de 2018|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Buscando (Searching) (Drama/Mistério/Thriller); Elenco: John Cho, Michelle La, Joseph Lee, Debra Missing; Direção: Aneesh Chaganty; USA, 2018. 102 Min.

A vida hoje é ancorada na web. Pagamos contas, compramos produtos, resolvemos problemas documentais, candidatamo-nos a trabalho, fazemos relações sociais e deixamos rastros de nossas vidas. Nada mais natural que alguém resolva usar como argumento as questões da vida cotidiana sob a égide da internete através dela; desde as comemorações em família aos momentos mais difíceis; do monitoramento de atividades a investigações sérias. E foi esse o mote de “Buscando”, e a  forma com a qual isso é posto na tela do cinema iça o filme de Anees Chaganty a um produto inteligente e surpreendente.

David Kim (John Cho) é um pai dedicado que, como a maioria de nós em nosso tempo, registra sua vida, seu cotidiano e suas memórias na web, em arquivos virtuais e em redes sociais. Certo dia sua filha Margot (Michelle La) desaparece e para conseguir encontrá-la ele ajuda nas investigações, usando os instrumentos que a web disponibiliza: acesso a câmeras de rua, arquivos da filha, posts em redes sociais, listas de amigos etc. A abordagem é muito inteligente e versa sobre a dubiedade das funções da internet. O que pode ser tido como invasão de privacidade serve para seguir os últimos passos de sua filha. O que deveria ser um movimento de solidariedade se torna um tribunal de julgamento e espaço de fomento de ódio. O mesmo veículo que  serve para o bem serve para o mal. O viés não o de escolha de um lado, mas de apresentação das múltiplas utilidades da internet, dependendo de quem está sentado à frente de um computador.

O cineasta indiano Anees Chaganty é oriundo de curtas-metragens e está em seu primeiro longa-metragem,  tem como roteirista, o também estreante, Sev Oharian que versa sobre a internet como lugar de registro de cotidianos, de comunicação, contato e conexões, mas, também, de disseminação de boatos e equívocos; lugar de investigações, informações e obtenção de indícios; de registro de memória, etc. Todas essas camadas estão postas no longa costurados pela história de um momento na vida da família Kim. Uma ressalva procedente é sobre a versão brasileira na tradução dos diálogos digitados nas redes sociais que estão em português, num trabalho primoroso evitando a sobreposição de legendas e, por conseguinte, uma poluição visual que seria extremamente desconfortável. Havendo legendas apenas nos diálogos de interpretação (para a versão legendada). Torçamos para que  a versão brasileira dos títulos dos filmes sigam o exemplo de primorosidade e nos premie com títulos mais conectados aos roteiros dos filmes.

Estrelados pelo sul-coreano John Cho de “Star Trek: Sem Fronteiras”(2016) e Debra Messing de “Will & Grace” (série de TV), o longa tem três diretores de fotografia: Juan Sebastian Baron de “The House on Pine Street” (2015) para as filmagens em estúdio e externas,  e Nicholas D. Johnson e Will Merrick na fotografia virtual, já que a tela do cinema se transforma numa tela de computador por quase duas horas. Esses últimos, também são responsáveis pela edição, que está soberba. O filme foi premiado no festival de Sundance e indicado a prêmios nos festivais de Locarno e Sidney.

Como vivemos em frente a um computador, nossas vidas estão nele. E é a partir dele que assistimos a vida de David Kim. “Buscando” não se preocupa em emitir juízo de valor sobre a internet, ao contrário, mostra que o mal ou o bem está em quem o usa, pois ela é um instrumento. Mostra ainda que o humano e seus jogos se impõem, mas que também podem ser desmascarados mais facilmente. O longa prende a atenção do espectador do início ao fim e cada detalhe na trama é importante, com detalhes e argumentos inteligentes e procedentes. Nos remete ao episódio “Hated in the Nation” de Black Mirror (Ep6, T3) mas, com muito mais camadas de abordagem tanto em relação a abrangência quanto em relação a profundidade com uma riqueza sutil e admirável. “Buscando” também não é um alerta, é um personagem conceitual para se refletir sobre um novo tempo e suas tecnologias, sobre a riqueza da internet e seus usos. É um Hitchcok pós-moderno sem o menor medo de equívoco, simplesmente sensacional.

 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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