Corra!

Por | 2018-02-06T19:02:03-03:00 6 de fevereiro de 2018|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Corra! (Get Out) (Horror/Mistério/Thriller); Elenco: Daniel Kaluuya, Allisson Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones; Direção: Jordan Peele; Japão/USA, 2017. 104 Min.

O ano de 2017 foi muito bom para o gênero terror. Pela primeira vez, títulos do gênero arrecadaram mais de 1 bilhão de dólares em bilheteria no mundo todo. A saber: “It: A Coisa” (2017), “Fragmentado” (2016) e “Annabelle 2: A Criação do Mal” (2017). Respectivamente 1º, 2º e 3º lugares. Também, pela primeira vez um título do gênero foi indicado ao Oscar. A questão é que “Corra!” não é qualquer filme de terror. “Corra!” é a subversão do gênero em argumento, é justaposição dos clichês do gênero com crítica social. É sobre o terror que é ser negro numa sociedade de brancos; sobre como a servidão se transmutou, num movimento exponencial,  tanto no que diz respeito ao uso, quanto no que diz respeito a profundidade do argumento. É, ainda, sobre a diversificação dos tentáculos da opressão, mostrando que nada mudou. Tudo isso  usando o gênero terror como um álibi, mais do que como um estilo de contar a história, embora também o faça. Esse encaixe genial nos fala sobre racismo, sobre como o negro se sente e sobre como essa sociedade continua vendo o negro.

Indicado a 4 Oscars (filme, ator principal para Daniel Kaluuya, direção e roteiro original) dentre 169 indicações, e ganhador de 92 prêmios mundo afora “Corra!” conta a história de um final de semana de Chris (Daniel Kaluuya) , um negro, na casa dos pais de  sua namorada  Rose (Allisson Williams), uma família de brancos. O Pai, Dean (Bradford Withford) é neurocirugião; a mãe, Missy (Catherine Keener) é psicanalista especializada em hipnose. O final de semana, apesar de muito bem recebidos, é aterrorizante. Inclui hipnose, troca de corpos e muita crítica social procedente com uma  abordagem competente.

O forte do longa é o roteiro, o  viés da argumentação. Jordan Peele é um ator, produtor e roteirista, cujo gênero preferido de filmes é o terror. A ideia de “Corra!” surgiu vendo o filme “Eddie Murphy: Delirious” (1983) em que Eddie zomba dos filmes de terror como “Poltergeist: O Fenômeno” (1982) e “Horror em Amityville” (1979). As inspiraçõess foram: “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968); “O Bebê de Rosemery” (1968) e “As Esposas de Stepford”(1975). A Abertura foi inspirada em “Halloween: A Noite do Terror” (1978) e o poster de divulgação internacional em “O Ódio” (1995) com a orientação invertida, e a cena da hipnose em “O Silêncio dos Inocentes” (1991). Com todas essas referências Jordan Peele conseguiu fazer um filme com uma história original que não decepciona quem gosta do gênero e, ainda,  arrebanha quem não curte o estilo, pela sua abordagem política inteligente.

A produtora de Jason Blum, a Blumhouse, deve estar rindo à toa depois do desempenho  de bilheteria de dois de seus filmes (“Fragmentado” e “A Morte te Dá Parabéns“), mais ainda com indicação ao premio maior da indústria cinematográfica. E nessa linha de análise não dá para fazer vista grossa para a trilha sonora composta pelo novato Michael Abels que enfatiza a crítica social do filme através da canção-tema:  “Sikiliza Kwa Wahenga“, cujas vozes, segundo Abels, representa as almas dos escravos negros e das vítimas de linchamento tentado avisar a Chris que corra. “Irmão, corra! Escute os mais velhos, escute a verdade. Corra! Salve a si mesmo.” (em tradução livre). Apesar de estreante em trilhas sonoras, Michael Abels é especialista em concertos tradicionais com influência no Blues, Jazz e música africana. A fotografia que destoa da soturnidade do gênero terror, é assinada por Toby Oliver de “A Morte te Dá Parabéns” (2017)

Jordan Peele é o segundo afro-americano a ser indicado ao Oscar na categoria de diretor. O primeiro foi John Singleton por “Os Donos da Rua” (1991). O roteiro de Jordan Peele foi longe. O filme foi objeto da criação de um curso na Universidade da Califórnia chamado “Sunken Place: racism survival and black horror aesthetic” sob a coordenação do professor Tanarive Due do Departamento  de Estudos Afro-americanos. “Corra!” não é um filme qualquer, subverteu o gênero terror, politizando o uso do terror na argumentação e no estilo. Quase reinventou a roda com pouquíssimos efeitos especiais, dando ênfase à história, às atuações e à direção, é claro. Merece, no mínimo a estatueta de roteiro original. Melhor filme também é bem vinda. Infelizmente, para diretor e ator principal tem melhores, tecnicamente falando. Mas, pode acontecer de tudo. Então, é torcer, porque “Corra” merece. O longa é simplesmente um achado. Lembrando que a produção é nipo-americana, talvez por isso a pegada seja  diferente. Em suma, vaticinando: “Corra!” é Inteligente e astuto!

Obs: O filme está disponível para aluguel no Youtube a preço módico.
 

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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