Deus Branco (White God/Fehér Isten). (Drama/Horror); Elenco: Zsófia Psotta, Sándor Zsótér, Body e Luke (os cães); Direção: Kornél Mundruczó; Hungria/Alemanha/Suécia, 2014. 121 Min.
“Para os peixinhos do aquário quem troca a água é deus”
(Mario Quintana)
A Hungria está com tudo. Além de ter levado o Oscar 2016 de melhor filme estrangeiro com “O Filho de Saul” (2015) está em cartaz no circuito brasileiro com “Deus Branco”. O longa-metragem dirigido por Kornél Mundruczó é uma parábola sobre a relação entre uma espécie superior e uma espécie inferior, que versa sobre causas e consequências e preconiza como solução de todos os males o amor. ( o universal, o filosófico)
Lili (Zsófia Psotta) é uma menina de treze anos que vai ficar com o pai durante uma viagem de congresso da mãe e leva o cão Hagen (Body/Luke). A princípio rola uma resistência, por parte do pai e dos condôminos, depois passa a ser completa aversão, chegando às raias do abandono. E é aí que história começa pra valer do ponto de vista do cachorro. Hagen inicia sua saga no melhor estilo filme da Disney (mas ainda não é isso) e experimenta situações de extrema violência, provocação, usos e adestramento para rinhas. Depois de ter conhecido o carinho e o aconchego Hagen é ensinado a odiar. E parte para a vingança no melhor estilo filme de terror (mas ainda não é isso).Os três roteiristas: Viktoria Petranyi, Kata Wéber e o próprio Mundruczó fazem dessa saga uma metáfora da aventura humana em relação a um ser superior. E nos faz lembrar de “O Novíssimo Testamento” (2015) de Jaco Van Dormael que faz uma paródia de deus sob o ponto de vista dos humanos. A mensagem de “Deus Branco” é dada através do pensamento de Rainier Maria Rilke (1875-1926) “Tudo o que é terrível precisa de nosso amor”. “White God” (no original) faz refletir sacudindo o espectador e ainda nos joga no colo do filme de Michael Haneke “A Rebelião” (1993) cujo sofrimento de vida de Andreas Pum (Branko Samarovski) o faz sair do prumo, num discurso embevecedor.
A produção de “Deus Branco” além de ter sua coluna vertebral no roteiro conta com cenas reais sem uso de CGI. Os cães são num total de 274 conseguidos em abrigos e todos foram adestrados para as cenas com profissionais especializados. Outro trabalho que se destaca é o de maquiagem dos cães – nos caso da rinhas -, a fotografia de Marcel Rév e a trilha sonora de Asher Goldsmidt, principalmente, para enfatizar o pensamento de Rilke sobre o amor universal. Asher usa a sinfonia “Hungarian Rhapsody nº2” de Franz Liszt, transformando-a na própria personificação desse território e a agulha que conduz a linha de argumentação. “White God” consegue atingir a percepção do espectador e levantar questionamentos poderosos no que diz respeito a relação homem/deus sem tocar em religiosidade ou pisar em territórios polêmicos. Por tudo isso foi segundo lugar de Melhor filme estrangeiro da Associação de Críticos de Boston; Ganhou a Palma Dog para Luke e o prêmio Un Certain regard para Kornél Mundruczó no Festival de Cannes 2014.
“White God” é uma parábola sobre um deus que se serve do amor de seus súditos, os abandona, os persegue, os tortura, os provoca e os pune. O mote do longa metragem é a relativização metafórica da perspectiva do cão e do homem sobre quem troca a água do aquário. O resumo da ópera é que se o mundo tivesse amor ele seria outro. Temos o que criamos, o que geramos, o que provocamos e catalisamos. “Deus Branco” é uma ovação ao amor. Um pedido escancarado por amor a partir da negligência e da violência. É…. O cinema está desaforado ultimamente. Um primor!
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