Eles Só Usam Black Tie

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Eles Só Usam Black Tie

Por | 2017-03-07T00:37:14-03:00 7 de março de 2017|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Eles Só Usam Black Tie ( Necktie Youth) ( Drama); Elenco: Banko Cosmo Khoza, Sibs Shongwe-La Mer, Collen Balchim, Kamogelo Moloi, Emma Tollman, Kely Bates; Direção: Sibs Shongwe-La Mer; Africa do Sul/Holanda, 2015. 93 Min.

O cinema africano se estabelece à medida que o tempo passa e com diversas nuances e estilos. Neste caso a referência é ao cinema da Africa do Sul, que é menos voltado às tradições e tem um gramática americanizada, vide os filmes de Neille Blomkamp de “Distrito 9” (2009) e “Chappie” (2015) que são bem diferentes do cinema nigeriano e  do cinema do norte do continente africano. Eis que nessa nova leva de cineastas surge Sibs Shogwe-La Mer com seu primeiro longa-metragem, um cineasta jovem (25) que nos mostra um painel em mosaico de sua geração, a juventude de Johannesburg pós-apartheid. Os aspectos políticos são pincelados ao longo da obra, mas o cerne da questão é: quem é essa juventude? Quais são seus objetivos? Quais seus motivos para viver? E Sibs, que também roteirizou o longa, passeia por essas questões através de conversas entre amigos em contextos que fazem parte de seus cotidianos:  festas, a faculdade e a vida em família. Tudo isso a partir do suicídio de uma amiga assistido ao vivo via web.

Emily (Kelly Bates) é uma jovem branca de classe média alta de Johannesburg que decide tirar a própria vida enforcando-se no quintal de casa diante de uma câmera com transmissão ao vivo. A partir desse estopim, os amigos e conhecidos dos amigos, em seu cotidiano abastado – a realidade não é a pobreza ou a falta de informação –  se reúnem para falar sobre o assunto, versar sobre as possibilidades que a motivaram, pensar na vida, buscar soluções para conflitos e problemas. Tudo isso regado a muita droga e álcool em festas intermináveis, em passeios de carro, e reuniões no campus e nas praças. O desfile é de uma classe média alta, que não tem necessidades básicas, que não conheceu a separação racial por lei do período do Apartheid (1948-1994) e que se misturam e se relacionam. Mas será que o problema era só esse?

Mesmo jovens e fazendo parte dos que nasceram sob a égide  da ‘liberdade’ racial, política e social eles fazem um passeio competente pela falta de bandeiras, pela falta de pelo quê lutar. O veio condutor é o valor da vida, em essência, da sua própria e da do outro – a cena da overdose é de uma desumanidade cavalar – que geração estamos criando? As metáforas são poderosíssimas, animais selvagens pregados na parede e os ‘civilizados’ dividindo uma sala com eles – a África em sua origem mitológica está morta. A distância entre esse homem moderno, civilizado, ‘perdido’ e a natureza é factual. A insatisfação com tudo. Um dos aspectos políticos pinçados para fazer analogia com a alienação dessa geração é o aniversário de 40 anos do Levante de Soweto (1976), um protesto pacífico  em pleno Apartheid que se manifestava contra a educação inferior das escolas para negros, que culminou na morte de um estudante de 13 anos, Hector Pieterson e algumas citações à Nelson Mandela.

O filme é para poucos olhos. É para aqueles que conseguem enxergar que tudo o que o homem- humanidade – faz  é inerente ao humano. É para quem consegue ver sem estabelecer parâmetros morais  ou julgamentos superficiais. Trata-se de uma juventude que fala sobre si mesma. Talvez até num pedido de socorro. Para assistir “Eles Só usam Black Tie” é preciso de despir de preconceitos, pois não se versa sobre racismo e sim sobre as anestesias necessárias a jovens que não conheceram frustrações, que não sabem administrar dificuldades nas relações e no entendimento de mundo e não viveram conflitos.

Toda a equipe, do diretor, passando pelos atores, à direção de arte e a trilha sonora estão em seu primeiro trabalho, quem escapa é Chuanne Blofield, diretor de fotografia, que é oriundo de séries de TV, e cujo trabalho está espetacular em Preto & Branco. Independente disso, o filme ganhou prêmios em alguns festivais e foi seleção oficial em Berlim, Tribeca e Sidney. Os aparentes despolitizados lançaram ao mundo uma visão de si mesmos com uma linha crítica e de desabafo. “Eles Só Usam Black tie” é forte, é impactante e visceral.

 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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