Elle

Por | 2016-12-15T00:15:17-03:00 15 de dezembro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Elle (Drama/Triller); Elenco: Isabelle Huppert, Laurent Lafitte; Direção: Paul Verhoeven; França, 2016. 130 Min.

A mente humana é um espetáculo! Tanto para se descobrir o que tem nela quanto para conduzir uma história. Quando a gente pensa que não existe mais novidade nas abordagens e argumentações, que todas são mais do mesmo ou versões de clichês, eis que surge um novo ângulo de visão sobre alguma coisa corriqueira transformando a narrativa numa colcha de retalhos que dá gosto de costurar. Esse é o caso do mais recente longa-metragem de Paul Verhoeven. Diminutivo de Michelle, “Elle” é uma jornada pela mente humana, especificamente a de um psicopata, com um viés traçado pela sua lógica amoral e sem fronteiras e numa pegada de desconstrução da normalidade interessantíssima.  Verhoeven põe o espectador contra a sua própria lógica e dá um banho de argumentação. Detalhista ele coloca valor em cada pequeno lance, de atuações a mise en scéne, de palavras chaves nos diálogos a silêncios sepulcrais.

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Michelle Leblanc (Isabelle Huppert) é uma empresária bem sucedida do ramo dos vídeo-games. Racional e sem emoções, Michele não tem fronteiras morais que a detenham e tudo o que faz não tem o menor ressonância afetiva. Filha de um Serial Killer, Michelle é separada, mora sozinha e tem um filho absolutamente emotivo. Certo dia após uma suposta violação sexual dentro de sua casa, começa a caça à identidade do indivíduo e uma série de providências de segurança silenciosa e com um controle invejável. Esse caminhar da história nos põe diante de circunstâncias em que as considerações são diferentes das interpretações e significados de ação de Michelle, que é alguém que cria uma produção de sentido das coisas diferente da ‘normalidade’. E a viagem é a de inversão da ordem das coisas, de joguinhos sociais, de voyerismo e nesse emaranhado de lógicas o que é ‘normal’ é içado de condição de estranheza e cada detalhe acrescenta sentido a essa história vivida/guiada por uma simpática psicopata. Das unhas escuras ao gato Marty – que é uma metáfora belíssima para a própria Michelle – a protagonista é um impávido colosso.

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O holandês Paul Verhoeven tem uma filmografia eclética. Vai de “Robocop” (1987) a “Instinto Selvagem” (1992). Em “Elle”  ele quebra com os clichês da psicopatia vistos no cinema, com os estereótipos de fragilidade feminina quando põe uma mulher mignon e de meia idade no papel de Michelle. Saem os takes de mistério e suspense (o trailer engana), os olhares de ódio e as dissimulações e entram o cotidiano de trabalho, os encontros com os amigos, os problemas familiares, a administração de uma mãe liberada e de um pai presidiário, com direito a visita do chaveiro, ceia de natal e confraternização de trabalho. Esqueçam, definitivamente a Sharon Stone de “instinto Selvagem”, a Glen Close de “Atração Fatal” (1987) ou mesmo o jeito ‘cool’ de Dexter. A psicopata de Isabelle Huppert e Paul Verhoeven desafia a lógica da normalidade com cara de normalidade sem sarcasmos.

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Baseado no livro de Philippe Djian, roteirizado por David Birke de “Os 13 Pecados” (2014) o filme foi indicado a dois Globos de Ouro, um para Isabelle por Melhor Atriz e outro para Paul Verhoeven como melhor filme estrangeiro. E, ainda, é o  representante da França na corrida ao Oscar 2017. Agora é esperar! Com uma fotografia seca e fosca de Stephane Fontaine de “Capitão Fantástico” (2016), o longa metragem tem uma pegada de “Caché” de Michel Haneke, mas vai além.

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“Elle” é uma viagem pela mente humana com diálogos inteligentes, dentro de situações que não são o que são, dentro de circunstâncias que são postas para mostrar o viés dissonante da lógica de um desviante comportamental sem dar diagnósticos ou lições de moral e muito menos procurar um final feliz. “Elle” faz uma analogia desconcertante entre a normalidade imposta e emaranhado louco que é o instinto humano. “Elle” é uma cusparada na normalidade. A palavra que define o filme é:  surpreendente. E a que define o cineasta é: meticuloso.

Paul Verhoeven dirigindo Isabelle na cena que costura o filme inteiro.

Paul Verhoeven dirigindo Isabelle na cena que costura o filme inteiro.


 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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