Eu, Daniel Blake

Eu, Daniel Blake

Por | 2016-10-12T23:13:23-03:00 12 de outubro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake) (Drama); Elenco: Dave Johns, Hayley Squires; Direção: Ken Loach; Reino Unido/França/Bélgica, 2016. 100 Min. #FestivalDoRio2016

“Toda arte é Subversiva”

O ganhador da Palma de Ouro 2016 foi “I, Daniel Blake” de Ken Loach. Passear por essa obra com suas nuances de abordagens e as redes de conhecimentos e significações que constituem seus criadores (diretor e roteirista) é uma das possibilidades de divagação que o filme nos traz.

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“Eu, Daniel Blake” conta a história de Daniel (Dave Johns) um homem de meia idade que após um infarto fica impedido de trabalhar temporariamente e precisa do auxílio saúde para sobreviver. A narrativa é  a história dessa saga, a burocracia que Daniel encontra para fazer valer seus direitos. Em paralelo à sua história está a de Katie (Hayley Squires) uma jovem sozinha, mãe de duas crianças que procura pelo auxílio desemprego. As duas histórias se cruzam no âmbito das questões sociais mostrando as garras neoliberais que se estabelecem na Europa e na questão humana tecendo as redes de solidariedade. O espaço geográfico é a Inglaterra, o contexto a Europa em crise com centenas de milhares de desempregados, imigrantes ilegais e idosos.

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As questões sociais têm pautado as abordagens cinematográficas ultimamente. A palma de Ouro do ano passado foi para “Dheepan- O Refúgio” que aborda a questão dos refugiados e imigrantes ilegais. Um dos filmes de sucesso do Festival  Varilux, também do ano passado, foi “Samba” que tem uma abordagem sobre o imigrante africano na França, esse é mais comercial, mais palatável, mas não deixa de tocar na ferida. A ágora escura ainda é lugar de liberdade para se pensar questões polêmicas e incômodas que não são discutidas em outros fóruns ou que são tocadas com certa sutileza. O cinema ainda tem a liberdade de escolher uma abordagem (leve ou contundente), dispersa-la para o mundo e fazer pensar, questionar e criticar. E no caso do octogenário Ken Loach isso não é por acaso.

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Quem dirige é Ken e quem roteiriza é Paul Laverty, uma dupla que já trabalha junto a um tempo, e mesmo assim, formam um perfil bastante incomum. Ken Loach é um advogado alinhado à esquerda, que optou pelo cinema como profissão e hoje consta no panteão dos grandes diretores europeus. Fichinha carimbada no Festival do Cannes tem várias premiações ao longo de sua carreira, incluindo duas Palmas de Ouro. Boa parte de sua obra versa sobre a vida da classe operária, sobre a miséria na Grã-Bretanha, patologias sociais,  politicas públicas e bem-estar social. Com um viés, notadamente, marxista, mostra conflitos sociais, lutas por direitos trabalhistas e sobre imigração clandestina. Paul Laverty é um indiano, filósofo e também advogado que trabalhou na seara dos direitos humanos na América Central. Tem no currículo 1 BAFTA e prêmios de melhor roteiro em Cannes e Veneza. Juntos, a dupla criou uma história muito bem engendrada em relação aos diálogos, que mostram com primorosidade a lógica da não-lógica do neoliberalismo. O descompromisso com as questões sociais e suas consequências na vida do indivíduo. As saídas inusitadas, as táticas do homem ordinário para burlar o sistema em nome da sobrevivência e as armadilhas contra a dignidade. Mostra também a forma com a qual esses cidadãos enxergam esses labirintos, o quanto são acuados e até onde chega os tentáculos da ganância. Com essa costura bem feita misturada à dor, à humilhação e as linhas de fuga de afeto e conexões entre os indivíduos, a dupla foi no cerne da questões a que se propositaram, possivelmente a de denunciar as consequências de uma austeridade econômica de descompromisso com o social e a saída que resta a quem não tem saída.

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“I, Daniel Blake” (no original) por tamanha atualidade e necessidade premente de protesto recebeu o prêmio máximo do maior festival de filmes do mundo. O que confirma a subversão magistral da sétima arte, o território de liberdade que é o cinema. Com uma abordagem política, crítica e que produz empatia com muita competência esse senhor de 80 anos só confirma que 2016 foi o ano em que a galera desse time de oitentões nos mostrou que ainda estão batendo um bolão. Viva Godard! Viva Saura! Viva Ken Loach!  BRAVO!

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  • Mostra Panorama do Cinema Mundial #FestRio2016

Confira a entrevista de Ken Loach sobre o filme (Aqui!)

Editado (mídia e imagens) em 04/01/2017

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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