Irmã (Little Sister) (Comédia); Elenco: Addison Timlin; Ally Sheedy; Keith Poulson, Peter Hedges, Bárbara Crampton; Direção: Zach Clark; USA, 2016. 91 Min.
Desde “Que mal Eu Fiz a Deus” de Philippe de Chauveron, que aborda o racismo, passando por “A Comunidade” de Thomas Vinterberg que fala sobre democracia a “Belas Famílias” cujo mote são os segredos, que a família serve de nicho para discutir todo o tipo de questões e elas são inesgotáveis. Agora é vez de Zach Clark, que traz a história da família Lunsford, e o tema em questão é a dor. Escolhendo se por com os dois pés no gênero comédia, Clark aborda aspectos pesados das relações humanas e suas fugas, sem entrar em polêmicas. E por conta disso, morde e assopra, usando e abusando do humor negro e de dissonâncias.
Colleen (Addison Timlin) é uma noviça às vésperas de fazer seus votos definitivos. Para ter certeza de que é isso mesmo o que quer para sua vida, pede à madre superiora (Bárbara Crampton) para fazer uma visita à sua família. A mãe, Joani (Ally Sheedy) é uma consumidora de drogas inveterada, sobrevivente de uma tentativa de suicídio. O pai Bill (Peter Hedges) é um enfeite de penteadeira, o irmão Jacob (Keith Poulson) é um veterano do Iraque que sobreviveu a uma explosão e teve o rosto desfigurado. Esta pronto o cenário para versar sobre a administração das dores cotidianas, suas fugas e anestesias. Este contexto é o caldo nutritivo para Zach mostrar o quanto a vida pode ser difícil, cruel e dicotômica. E ele põe tudo isso misturado à comédia, fazendo um jogo de morde e assopra em que se ri das coisas mais estapafúrdias.
A primorosidade do filme é o roteiro confuso, e o é propositalmente. Nele Zach põe num mesmo pacote drogas lícitas, ilícitas, isolamento, terrorismo, assinatura de pornsites e religião: o pacote das fugas e das anestesias. Todos são ópios para aliviar a dor, uns mais nobres outros nem tanto, mas estão lá no mesmo nível, como processos de anestesiamentos e sublimação da realidade dolorosa e insuportável. A confusão serve para fazer uma cortina de fumaça na questão da religião como anestesia e fuga, que é o gancho maior do roteiro. O que, dito sem nuances e engendramentos, poderia soar forte demais. Todas as histórias que cercam a história central são contextualizadas no bizarro e todas têm sua saída pela tangente.
Zach Clark vem do nicho da edição. É seu 5º longa- metragem como diretor. O mais conhecido é “White Reindeer” (2013) que recebeu o Bunny do Boston Underground Film Festival. A História original de “Little Sister” é dele e de Melodie Sisk de “Modern Love is Automatic” (2009). O aspecto que se destaca é a trilha sonora de Fritz Meyers de “Versos de um Crime” (2013) com uma música incômoda, invasora e que traz desconforto (vide a bateria de Jacob) que é metáfora para a dissonância da vida da família Lunsford. Com uma fotografia escura e turva assinada por Daryl Pittman está emoldurada a pintura da aura da família.
“Irmã” é um filme americano que traz aspectos da cultura americana e que sutilmente nos faz pensar no porquê tantos procuram subterfúgios artificiais para suportar a existência. É um filme que responde a uma questão posta por John Lennon nos créditos finais do filme “Janis: Little Girl Blue” em que ele diz: “Todo mundo condena quem se anestesia da vida, mas ninguém pergunta porque. Por que?”. Brincando e dando uma de maluco beleza Zach Clark faz associações inteligentes e que aos olhos mais distraídos passa despercebido. Esperto o Moço! E o filme? ‘Dissonantemente’ genial ou Genialmente dissonante, você decide.
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