Made in China (Comédia); Elenco: Regina Casé, Juliana Alves, Otávio Augusto; Diretor: Estevão Ciavatta. Brasil, 2014. 96 Min.
(Contém spoilers)
Existe um ditado popular que diz que: “de onde não se espera é que sai”. Este adágio, possivelmente, poderia ser aplicado a”Made in China” de Estevão Ciavatta. Acostumados, que estamos, a extensões de programas de humor que invadem o cinema, esperava-se mais uma comédia pastelão, sem nenhum conteúdo, com piadas gratuitas e furtivas e sem nenhuma lógica, como já vimos tantas vezes. E, é no quesito lógica que “Made In China” surpreende. Falando da invasão dos produtos chineses no Brasil, e mais especificamente, no centro comercial popular carioca mais conhecido da cidade – o Saara – o filme aborda a questão, fazendo críticas sobre impostos, custos e o contexto econômico no qual se encontra os que comercializam pagando suas taxas e produzindo para o país. E aventa o argumento de máfia e concordância do poder público com essa realidade cruel para economia local, rindo, fazendo graça, com muito funk e pagode sem que o espectador perceba que está sendo levado a pensar, mesmo que superficialmente sobre a questão.
“Made in China” é mais um produto brasileiro com cara de povão e para povão. Os códigos ali estabelecidos delineiam sua contextualidade, o vocabulário coloquial, as gírias locais, as músicas, os artistas populares da televisão brasileira, o próprio centro comercial, território da mistura de culturas e criação da identidade nacional, pois ali se misturam imigrantes de outros países, cariocas, nordestinos e toda a sorte de costumes que seres sociais agindo em seu cotidiano são capazes de criar. E esse é o segundo mote de “Made in China” seguindo as pegadas da teoria de Jorge Mautner sobre sermos, nós brasileiros, a fórmula para a paz mundial com nossa mistura de raças, culturas, religiões, músicas, e todos os possíveis aspectos a serem misturados por seres humanos que vivem numa terra “abençoada por deus” como diria outro Jorge , o Benjor. E corroborando com esse raciocínio, o núcleo dos chineses, os que não se misturam, são fechados ao novo e resistentes a aculturação da nova terra, nos é negado até o entendimento. Não há legendas em português. O filme parece bobo mas tem umas significações interessantes, que instigam, que nos fazem cercarmo-nos de questionamentos. Além, é claro, do mantra do pisca-pisca, que não está ali por acaso nem para “encher linguiça” ele também foi feito para pensarmos, nem que seja por osmose.
E por falar em Jorge, o enredo é construído em torno da lenda de São Jorge e o dragão. A casa de Seu Nazir (Octávio Augusto) chama-se São Jorge e a casa de Seu Chao (Tony Lee) chama-se dragão. A batalha campal se dá com muita música, piada, mistura de raça e mistura de cor.
Na questão cinematográfica, quem merece ovações pela costura são as roteiristas Patrícia Andrade de “Gonzaga: de pai pra filho” (2012), “Besouro” (2009) e “2 filhos de francisco…”(2005) e premiada como melhor roteiro com “Salve Geral” (2010) no Festival de filmes de Natal; e Rosane Lima de “Bendito fruto” (2004) mas, mais afeita a séries de TV como “Carga Pesada”. Regina Casé , pra variar está impagável, quase que no papel de si mesma e com o humor já conhecido do público. Tudo orquestrado por Estevão Ciavatta em seu primeiro longa para cinema, com o recheio de aculturação dos povos, miscigenação de raças, sincretismo religioso, as táticas do cotidiano, a ginga brasileira e um a mensagem de respeito e convivência com as diferenças.
Não há interesse nem filosófico, nem político, nem sociológico, mas que dá uma beliscadinha nessas áreas com um funk ao fundo e um sorriso deslavado na cara, lá isso dá.
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