Meu Amigo Hindu (My Hindu Friend). (Drama); Elenco: Willem Dafoe, Maria Fernanda Cândido, Bárbara Paz, Selton mello, Reynaldo Gianecchini; Direção: Hector Barbenco; Brasil, 2015. 124 Min.
Existem inúmeras maneiras de se expurgar uma dor, de nos livrarmos de uma energia que não queremos mais carregar conosco ou de nos desvencilharmos de fardos emocionais, em definitivo. E cada um tem o seu caminho das pedras. O de Hector Babenco, como bom cineasta, foi o de contar a história de seu processo interno de proximidade com a morte, durante um tratamento contra um câncer, através da narrativa cinematográfica. “Meu Amigo Hindu” é uma viagem pelos delírios, processos internos de assimilação e administração das circunstâncias e das relações sociais e familiares durante a saga de luta pela vida. E que se transformou numa ode ao cinema, através de referencias como Bergman e Fellini, das músicas da trilha sonora e de uma remetência ao filme “Cantando na Chuva”(1952) como uma comemoração pela vida.
Diego Fairman (Willem Dafoe) é um cineasta que descobre que tem um câncer e que precisa de um transplante de medula, além de todos os outros procedimentos tradicionais relativo à doença para se recuperar. O filme mostra essa jornada costurando com os casamentos, as relações familiares e sociais. Descortinando a hipocrisia e os interesses espúrios, o impacto que doença causa em todas essas relações e as consequências do desgaste emocional. Paralelo a isso, mostra também os delírios, os sonhos, as misturas, quase que lynchianas, de realidade e fantasia. As conversas com a morte, muito bem analogizada com o “Homem Comum” (Selton Mello) e sua mulher sepulcral e decrépita (Vera Valdez). O jogo de xadrez com a morte nos remete a Bergman ( O sétimo Selo/1957), e no processo de melhora, surge um menino hindu, cuja importância para Diego Fairman é unilateral e intrínseca e que perpassa silenciosamente esse momento da jornada, a de libertação da doença e de início de uma nova vida. Num movimento de significação inventada, de criação de sentido que é a cara do nossos processos de soerguimentos e do caminho de constituição do cinema.
Os destaques do longa-metragem são: o ator Willem Dafoe, indicado a dois Oscars por “A Sombra do Vampiro” (2000) e “Platoon” (1986) e que recentemente interpretou Pier Paolo Pasolini em “Pasolini” (2014) e que já trabalhou com grandes diretores como Oliver Stone, Martin Scorsese e Lars Von Triers; e para a mulher da morte, Vera Valdez, que é atriz, modelo e figurinista e que do alto de seus 80 anos, ousadamente se veste de cinta-liga e sensualiza decrepitamente (afinal,estamos falando de morte) com uma coragem invejável. E não é a primeira vez, Vera em 2008, aos 72 anos, pousou seminua para a revista Trip. Conhecida também por ter feito parte do elenco de “O Homem Nu” (1968) de Roberto Santos e “As Cariocas” (1966) de Walter Hugo Kfouri, mostrou-se alguém muito bem resolvida com sua idade. Produzido por Marcelo Torres de “Cazuza: O Tempo Não Pára” (2004) e “Diários de Motocicleta” (2004), tem trilha sonora do polonês Zbigniew Preisner de “A Liberdade é Azul” (1993) que insere na trilha musicas que vão de “Cheeek to Cheek” a “Singin’ in the Rain”. Toda essa produção dirigida pelo cineasta argentino-brasileiro Hector Babenco, indicado ao Oscar por “O Beijo da Mulher Aranha” (1985) e que marcou presença no cinema brasileiro com “Carandiru” (2003) e “Pixote” (1981). Quanto a ser versado em inglês ( o que soa dissonante como filme brasileiro) foi a opção após Willem Dafoe se confirmar no elenco e, gostando ou não, ajuda na divulgação internacional.
“Meu Amigo Hindu” é uma autobiografia e por tabela uma ode ao cinema e a capacidade do ser humano de se reinventar. Um painel dos usos das linhas de fuga no processo de recriação de nós mesmos. Sem contar que é a última fase do tratamento: socializar a experiência.
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