Mundo Cão. (Drama); Elenco: Lázaro Ramos, Babu Santana, Adriana Esteves, Millhem Cortaz; Direção: Marcos Jorge; Brasil, 2016. 122 Min.
“Um raio não cai no mesmo lugar duas vezes” é o que diz o ditado popular. Também diz que, “Ninguém é perfeito” o que caracteriza como injustiça exigir que alguém seja bom o tempo todo. Esse, possivelmente, seja o caso de “Mundo Cão” de Marcos Jorge, o mesmo diretor do soberbo “Estômago”(2007).
O mais recente longa-metragem de Marcos Jorge tem um elenco respeitável: Lázaro Ramos de “O Vendedor de Passados” (2015); Adriana Esteves de “Real Beleza” (2015); Babu Santana de “Tim Maia” (2014) e Milhem Cortaz de “Sangue Azul” (2014), mas não é isso que faz um filme bom, e sim, no mínimo, vendável, já que isso atrai público. “Mundo Cão” tem um argumento bom: o poder paralelo e a vingança; mas a dança entre os gêneros de comédia, tragédia e suspense dentro do arcabouço de um drama, deixando as pontas do roteiro soltas, fez do filme uma salada de aspectos desconexos.
A história consiste numa vingança a partir de um equívoco estapafúrdio – a morte de um cão – que dá origem a uma brincadeira, no mínimo de mal gosto – o sequestro de uma criança – e que acaba numa vingança atrapalhada. Santana (Babu Santana) é um evangélico não tão praticante que trabalha para o centro de Zoonoses da cidade de São Paulo recolhendo cães abandonados. Um belo dia, leva para o abrigo o rottweiler Nero que fora encontrado em uma escola para crianças. O cão é de ninguém menos que Nenê (Lázaro Ramos) um ex-policial, contraventor, dono de máquinas caça-níqueis e extremamente violento. A questão termina em desentendimento e ameaças, Nenê, então, sequestra o filho de Santana, João (Vini Carvalho), e se mete numa síndrome de Estocolmo às avessas. Como resultado conectado a tudo isso, tragédias acontecem, e mesmo com o caso resolvido, Santana, atrapalhadíssimo, resolve vingar-se. O que leva a história a um desfecho inesperado.
Os aspectos a serem destacados no longa são as atuações, que apesar de virem de atores profissionais e experientes, soam artificiais e exageradas em alguns momentos; a forçação de barra em relação à tragédia e aspectos que não se conectam, por exemplo, a religiosidade de Dilza (Adriana Esteves) são desconfortáveis. A princípio, a remetência a “Amores Brutos” (2000) é pertinente no que concerne a analogia entre a brutalidade dos cães com toda a sua irracionalidade e a do ser humano com toda a sua racionalidade. Mas, ficou vazio e mal costurado. Sobre o desfecho, nos põe diante de “O Lobo Atrás da Porta” (2013), mas sem a mesma lógica de conexão dentro do contexto. Enfim, possivelmente , o problema de “Mundo Cão” foi a transmissão.
O cineasta Noelle Deschamps dirigiu recentemente (2012) um documentário chamado “Conteurs D’Images (“Contadores de Imagens” em tradução livre para a língua portuguesa, e “Dreamers” em inglês) em que entrevista cineastas famosos sobre seu oficio, dentre eles: Guilhermo Arriaga, Jacques Audiard, Akiva Goldsman, Michel Gondry, James Gray e outros. A questão levantada é sobre como eles fazem para contar suas histórias com imagens, uma linguagem sem código, aberta e tão suscetível a toda e qualquer interpretação. E um deles trouxe à baila a palavra “transmissão” como sendo, para ele, a palavra-chave. E isso seria sobre o quanto se pode convergir sobre as questões abordadas na obra, no que diz respeito ao entendimento; sobre as metáforas imagéticas e suas conexões e que estes aspectos se aproximem ao máximo do que se quer dizer – sabendo que nem assim o resultado será o esperado, pois o espectador verá ‘n’ filmes a partir de suas redes de significações. E é nisso que “Mundo Cão” deixa a desejar. Uma coisa é fazer desconexões procedentes em que o espectador encontre espaço para suas divagações, porque assim o arcabouço da história pede; outra coisa é empilhar aspectos diversos e deixa-los soltos.
Dirigido por Marcos Jorge e roteirizado por Lusa Silvestre de “Depois de Tudo” (2015), “Mundo Cão” é um longa-metragem brasileiro que traz em seu bojo um pouco da cultura do poder paralelo e o quanto ele se assenhora das populações menos favorecidas, e que tem como slogan “A vingança é um prato indigesto”, mas poderia ser “Todo malandro morre na mão do otário”. E aqui não vai nenhum spoiler, pois o desfecho é absolutamente inesperado. Talvez essa seja a única maestria do longa. Numa palavra? Vazio.
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