Ninguém Deseja a Noite (Nadie Quiere la Noche / Endless Night) (drama); Elenco: Juliette Binoche, Rinko Kikuchi, Gabriel Byrne; Direção: Isabel Coixet; Espanha/França/Bulgária, 2016. 104 Min.
“É a natureza. É ela quem dita as regras”
“Nadie Quiera la Noche” (no original) é dirigido por uma mulher. E isso é importante dizer porque a história é uma jornada de amadurecimento no território da alma feminina. Não só no desapego das frescuras e futilidades. mas no crescimento através do enfrentamento de realidades que vão para além daquelas que criamos e envernizamos socialmente em nome da sobrevivência num território inóspito. A história é fictícia mas os personagens são reais e o contexto também, o ano é 1908.
Josephine Peary (Juliette Binoche) parte para o polo Norte. Um nada gélido para encontrar seu marido o tenente Peary, um pesquisador em sua última expedição. Perto da chegada do inverno e com teimosia, frescuras e recursos, Mrs Peary contrata guias locais para leva-la até o acampamento de seu marido. Enfrenta avalanches, tempestades e perigos com muita coragem. Mas seu maior desafio ainda estaria por vir. Chegando ao acampamento seu marido não está. Então, decide espera-lo, contrariando os conselhos de todos. Junto com ela fica Allaka (Rinko Kikuchi), uma jovem nativa que espera pelo seu homem. Ambas esperam pela mesma pessoa. As conversas, as descobertas e a não-possibilidade de uma guerra por conta da sobrevivência (uma depende da outra) é o grande mote da história. Ali são conflagradas as diferentes realidades – a citadina e a ‘selvagem’ – os valores, as diferentes formas de ver as mesmas coisas, tendo que conviver, se ajudar, se abraçar para se esquentar e não morrer num frio de -70º. Tendo que criar vínculos e laços em nome da vida que se torna mais importante que um vestido assinado por um costureiro famoso, mais importante do que disputar atenção do mesmo homem, mais importante do que sustentar os valores de uma construção social dissociada da natureza humana.
A saga de Mrs Peary através do roteiro de Miguel Barros e da direção meticulosa de cada movimento e emoção orientado por Isabel Coixet dão a dimensão do que pode ser mudado e do que não pode na alma feminina. Traça um painel do quanto o ambiente em que somos criados/inventados/confeccionados/moldados nos dá como limite. Um elemento sine qua non nessa ‘contação’ de história é a trilha sonora que tem seu momento dialogal de forma visceral tendo em vistas os tantos silêncios nas conversas. A música em “Ninguém Deseja a Noite” fala de forma visceral, pois não consulta o raciocínio, invade a alma e grita e é assinada por Lucas Vidal de “Jogada de Mestre” (2015) e que mesmo sozinha é arrebatadora.
“Ninguém Deseja a Morte” é uma produção, majoritariamente, espanhola em co-produção com a França e com a Bulgária, e abocanhou 3 Goyas, 1 Gaudí Awards e foi indicada ao Urso de ouro no Festival de Berlim. Isabel Coixet é uma premiada diretora conhecida por “A Vida Secreta das Palavras” (2005) e contou com duas grandes atuações: Juliette Binoche, que dispensa apresentações e a japonesa Rinko Kikuchi de “47 Ronins” (2013). Tudo, no longa-metragem, é bem cuidado com destaque para a direção de produção – premiada com um Goya -. Para deixar as coisas mais reais as locações foram a Bulgária e a Noruega e os idiomas são o inglês e o aborígene esquimó Inuktitut.
O filme espanhol é uma saga de amadurecimento pela alma feminina em situação extrema e uma radiografia da dura cerviz de nossas naturezas com uma abordagem bastante subjetiva. Isabel Coixet e Miguel Barros conseguiram dar conta do recado se o objetivo foi esse. O longa-metragem é uma boa pedida para quem se proposita a conhecer a alma humana. Ou, pelo menos, aprecia passear por seus meandros.
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