‘Nós’ e a revolução silenciosa

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‘Nós’ e a revolução silenciosa

Por | 2019-03-21T12:54:32-03:00 21 de março de 2019|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Nós (Us)(Terror/Thriller); Elenco:Lupita Nyong’o. Winston Duke, Elisabeth Moss, Shahadi Whight Joseph, Evan Alex;Direção: Jordan Peele; USA, 2019. 116 Min.

“(…)Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas não ouvirei” (Jeremias 11:11) – trecho bíblico posto como referência no filme

Esqueçam “Jogos Vorazes” com todos os seus signos de revolução, de necessidade de flexibilização do Status Quo e códigos de subversão do sistema embutidos num filme de gênero ação e aventura; Já temos uma obra com mesmos significantes no gênero terror…. e, não por acaso, se chama “NÓS’. Jordan Peele em seu mais recente trabalho nos mostra que não foi acidente de percurso nem sorte de principiante seu sucesso em “Corra”. O cineasta está de volta com uma obra-prima política no mesmo gênero cheio de metáforas e referências cinematográficas. Estrelado por Lupita Nyong’o, que dá um show de interpretação, “Nós” pode ser considerado, já no início da temporada 2019, um forte candidato a festa maior do cinema em 2020.

Depois de falar de racismo com o longa “Corra” de uma maneira inteligente, inusitada e instigante, Jordan Peele versa, agora, sobre luta de classes, igualdade como seres humanos e a digital de alma da cultura americana – senão planetária – de forma soberba, contando uma história de duplos em um intrincado roteiro que contém referências cinematográficas, musicais e bíblicas com muita ironia, humor e horror, é claro. Especialista em fazer uma salada agridoce com terror e política, o cineasta mostra, pela segunda vez, que tem visão, é perspicaz e sabe contar uma boa história, escolher atores, dirigir e roteirizar um longa e que, pensa muito antes de abordar um assunto, pois o faz com meticulosidade e primor.

Identificando os duplos como americanos, o roteiro de Peele, leva uma menina num parque de diversões a entrar numa cabana do “Conhece-te a ti mesmo” e , a partir dali nos mergulha numa análise psicossocial que culmina no ensaio de uma revolução social preemente e que não pode ser contida. “Nós” não tem só um roteiro brilhante, toda a sua criação cinematográfica é competente, inteligente e harmoniosa no que se propõe. A fotografia de Mike Gioulaks de “Vidro” é límpida e definida. A música de Michael Abels de “Corra” é um texto de tradução para os que tiverem dificuldade para entender do que se trata, com muita ironia e humor dissonante. As referências vão de “Thriller” de Mickael Jackson a “Tubarão” (1975), passando por “Esqueceram de Mim” (1990) – e essa por mais que apareça em tom de piada, é a mais procedente – Peele, morde e assopra, diz tudo brincando e divertindo, mas diz.

O longa fala sobre os caminhos da libertação e de ascensão à superfície dos menos favorecidos – atentem para o discurso de Red (Lupita Nyong’o) e a cena do espelho de Dahlia (Elizabeth Moss) – as simbologias são procedentes: espelhos, sombra, os coelhos, as cores, as músicas, os quadros nas paredes, a passagem bíblica – que se repete cinco vezes – e tantos outros signos silenciosos que dão suporte ao entendimento dessa história genial. Jordan Peele está se revelando um diretor que usa o gênero terror como uma metáfora maior para seus argumentos. Assistir a “Nós” com todo esse arcabouço de obra cinematográfica é um prazer imenso para um cinéfilo, não pelo seu viés político, mas pela criação artística que o cineasta usa para falar de política. Ao escolher Lupita Nyong’o e Elisabeth Moss, Peele foi de uma jogada comercial e de contextualização do conteúdo ao qual se propôs, sensacional; a estratégia traz público, amplia espectro de identificação dentro do assunto escolhido e fala para todo mundo. “Us” (no original) não é um filme de nicho específico de espectador, é para todo mundo. Literalmente, para NÓS.

Não é difícil fazer conexões com “O Nascimento de Uma Nação” (2015) em que a personagem de Nat Turner (Nate Parker), em sua última cena, conclama a todos à revolução e a lutar pelos direitos civis. Em “Nós” Jordan Peele Mostra, com metáforas, como essa luta se dá nos subterrâneos da existência e conclama a todos a se unirem pelo reconhecimento de todos como iguais, como seres humanos. Isso, sem contar que sua abordagem é um soco no estômago da sociedade americana. Adelaide Wilson (Lupita Nyong’o) é metaforicamente, o próprio Jordan Peele, que veio para ficar e já está fazendo sua revolução silenciosa. Vaticinando: corajoso e GE-NI-AL!


Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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