O Abraço da Serpente

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O Abraço da Serpente

Por | 2018-06-17T00:15:24-03:00 21 de fevereiro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

O Abraço da Serpente (El Abrazo de la Serpiente) (Aventura/Drama); Elenco: Nilbio Torres, Antônio Bolívar, Jan Bijnoet. Brione Davis; Direção: Ciro Guerra; Colômbia/Venezuela/Argentina, 2015. 125 Min.

“Onde estão os chocalhos que as mães tocavam para seus bebês? Onde estão as histórias que os velhos contavam, os amores e as batalhas? Aonde foram?”

(Karamakate In: O Abraço da Serpente)

O Professor Boaventura de Sousa Santos em sua teoria chamada Epistemologias do sul postula a coexistência pacífica entre saberes multiculturais e preconiza o resgate e valorização dos saberes alijados pelo saber hegemônico. “O Abraço do Serpente” de Ciro Guerra, o indicado colombiano ao Oscar 2016 de melhor filme estrangeiro passeia neste lugar, o das epistemologias. E é uma arena de digladiamentos dos saberes científicos e ancestrais dos indígenas da amazônia internacional, sem deixar de pontuar um dos instrumentos hegemônicos de subjugação de saberes e de identidade: a catequese.

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O período é o início do século XX (1900-1940), em que duas histórias paralelas são contadas. Em 1900, o etnógrafo alemão Theodor Von Martius (Jan Bijvoet) procura, em plena floresta, pela planta chamada Yakruna para a cura de uma doença. É acompanhado do índio Manduca (Yauenkii Migue), que por sua vez, procura pelo único índio, um cohiuano, que conhece o caminho e local onde a Yakruna pode ser encontrada. É Karamakate (Nilbio Torres). Em paralelo a esta história, 40 anos depois, o botânico americano Evans (Brione Davis) procura Karamakate (Antonio Bolívar) para que o leve até a Yakruna para completar a pesquisa científica de Theodor. E a jornada de embates epistemológicos que se seguem são de arrepiar. Costurados com precisão, os diálogos, as inferências e a lógica sobre saberes diferentes, culturas diferentes e a violência da colonização do saber são simplesmente geniais. Vão no âmago das questões e preconizam a complementaridade  dos saberes.

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A história é baseada nos relatos de viagens reais do cientista e etnógrafo da Universidade de Dublin, o alemão Theodor Koch-Grunberg e do Biólogo e botânico americano Richard Evans Schultes. Roteirizado pelo diretor Ciro Guerra e Jacques Toulemonde Vidal de “Anna” (2015), “O Abraço da Serpente” não se proposita a ser mais um filme que ovacione a natureza e a beleza amazônicas, tanto que sua fotografia é preto e branco, e sim um grande painel de epistemologias. Os roteiristas colocam no mesmo patamar o saber científico e o indígena – a metáfora da bagagem é um espetáculo, e o que o índio faz com ela mais ainda – . A lógica e a coerência do saber indígena é a auto-preservação, mas se digladia  na mesma esfera de grandeza com o científico. A abordagem dos efeitos da catequese e sua violência epistemológica, cultural e física é muito bem costurada ao enredo – a cena do messias é baseado em fatos atuais -. A noção de complementariedade não está presente só nos diálogos, mas também,  na trilha sonora de Nascuy linares que é cheia de batidas e ritmos indígenas, mas que abre precedentes para música do homem branco em som direto içando-a a veículo de conexão com o mundo espiritual e intercessão com o mundo indígena e a compara a Yakruna, a planta que faz sonhar. Os idiomas são cinco para cada lado. Os cinco idomas do homem branco falados no longa são: espanhol, português, alemão, catalão e latim; dos dialetos indígenas amazônicos são: cubeo, huitoto, ticuna, guarano e ocaína. As metáforas  são pertinentes: a serpente e seus filhotes e a onça; a simbologia da colonização e da resistência: o homem branco, o índio vestido de homem branco e o índio nu. As conexões são muito bem feitas e acabadas. Diferente de “Amazônia” (2013) de Thierry Rogobert que empoderava a natureza, “O Abraço da Serpente” é um veículo de empoderamento de saberes.

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E nessa linha de raciocínio, é bom saber que a Colômbia é um país sem grande tradição cinematográfica, e que ultimamente vem despontando com obras como “A Terra e a Sombra” (2015) de César Augusto Acevedo e os filmes do próprio Ciro Guerra com “Los Viajes del Viento” (2009) e “la Sombra del Caminante” (2004) premiados em festivais, dentre outros nomes e obras. Sobre os filmes estrangeiros escolhidos para representarem seus países no Oscar 2016, uma intercessão os alcança. Não são enlatados industriais desses países, e sim filmes que, em seu bojo, trazem a cultura desses lugares como território em que o tema escolhido está mergulhado. E em que os costumes têm espaço de atuação na história, servindo como um grande divulgador dessas culturas diversas.

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“O Abraço da Serpente” é um painel do choque cultural que foi a colonização espanhola na América Latina pelo viés epistemológico. Ciro Guerra põe o índio protagonizando um filme e dissertando sobre seu saber. Apontando os equívocos do conhecimento hegemônico e destronando o invasor. O filme colombiano é o espaço da amostragem desse saber, de sua importância e da necessidade de troca e complementação entre saberes.  É o cinema elevado a enésima potência na disseminação de aspectos culturais distintos e valorizando a diferença.

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  • Editado em 21/02/2016.

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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