O Fim (The End) (Drama); Elenco: Gerard Depardieu, Audrey Bonnet, Swann Arlaud; Direção: Guillaume Nicloux; França, 2016. 85 Min. #FestivalDoRio2016
O mais recente filme de Guillaume Nicloux é uma pequena mostra da diferença entre filmes de festival e filmes de circuito. Por coincidência ele está em cartaz com “O Vale do Amor” (2015) e compara-los, neste quesito, é interessante para verificarmos o quanto o cinema é rico, abrangente e profundo. Em “O vale do amor”, também estrelado por Depardieu, um casal separado se aproxima depois da morte do filho. Um filme rico, inteligente e de fácil entendimento e assimilação, independente das camadas que possua. Em “O Fim” Guilloume pega pesado em profundidade e transforma a história numa experiência densa e desnorteante.
O homem (Gerard Depardieu) é um caçador que acorda pela manhã, toma seu café e dirige até a floresta, acompanhado de seu cachorro Joshi e levando seu rifle. No meio do caminho perde o cachorro, perde o rifle, perde a direção, encontra desconhecidos, reconta sua história várias vezes procurando ajuda para encontrar a saída da floresta e voltar para casa. O homem está preso num looping de tempo em que tudo se repete da mesma forma e à medida em que se repete, elementos são perdidos. O homem não tem direção, não tem orientação, está perdido no tempo e dentro de si.
Guilloume Nicloux usou metáforas poderosíssimas (veja o cartaz no trailer) para falar de problemas degenerativos de memória e cognição. Possivelmente, Alzheimer. O fim é o começo do dia (e aqui não há nenhum spoiler, pois o filme é uma experiência), o indicador de final começa o filme. A floresta é a mente desse indivíduo, na qual se encontra totalmente perdido e continua perdendo, de coisas a pessoas, incluindo lembranças. O filme, a princípio se encaixa no gênero terror…e é. Imagine-se perdido dentro de si mesmo? Guilloume Nicloux nos transporta para essa experiência. O expectador é posto propositalmente perdido na história, tanto quanto o homem, acompanhando uma situação que não tem temporalidade, não tem linearidade e ao mesmo tempo que faz sentido na parte, no todo não faz. A sensação da personagem é transposta para o espectador, que é posto perdido naquilo que foi fazer no cinema, ver e entender uma história, se situar nela, contextualiza-la. A história é propositalmente sem contexto. E dessa forma o filme te acompanha até à casa, como um puzzle em que se tenta juntar as peças.
Levando em consideração que a hipótese de abordagem esteja correta a comparação com “Para Sempre Alice” é inevitavel. E mais uma vez a diferença entre filme de circuito e filme de festival se impõe. Aqui Alice (Julianne Moore) é uma linguista que tem noção dos danos cognitivos do mal de Alzheimer e faz essa narrativa para o espectador, colocando ponto a ponto o processo de perda e esquecimento e fazendo-o participar da explicação. Em “O Fim” não tem explicação. Nós somos o homem sem a menor noção do que acontece e vivendo o que acontece.
Guillhoume é bom com abordagens subjetivas. Se esmerou em “A Religiosa” (2013) para mostrar a impossibilidade da sublimação na condição humana. Mas com “The End” (no original) ele se superou. Indicado a Tulipa de Ouro do Instambul International Film Festival, “O Fim” tem uma fotografia natural assinada por Christophe Offenstein de “O Vale do Amor” e um silêncio sepulcral com ênfase nos sons da floresta orquestrado por Éric Demarsan de “O Exército das Sombras” (1969). Além de um roteiro forte e poderoso com metáforas imagéticas espetaculares e uma condução competente. Essa é a diferença entre um filme que é feito para um público mais exigente, para cinéfilos sedentos por desvendar mistérios, brincar nas entrelinhas da linguagem cinematográfica e viver uma experiência para além da cognição. Isso é um filme de festival. Assista em tenha um lampejo do que possa vir a ser perder-se de si mesmo. Vaticinando: simplesmente genial!
- Mostra Panorama do Cinema Mundial #FestRio2016
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