O Outro Lado do Paraíso (Drama/História); Elenco: Eduardo Moscovis, Davi Galdeano, Camila Márdila, Flávio Bauraqui, Jonas Bloch, Simone Iliescu; Direção: André Ristum; Brasil, 2014. 100Min.
Misturado às ideias de Paulo Freire, à construção de Brasília, à religiosidade de Antonio Trindade e às primeiras sementes da teologia da libertação, “O Outro Lado do Paraíso” é baseado no livro homônimo de Luiz Fernando Emediato, que conta a história de seu pai vista por seus olhos de menino de 12 anos. E uma justa homenagem a um homem que com todas as suas limitações tinha a inquietação da vida e a esperança correndo nas veias.
Na abordagem do longa-metragem, Antonio Trindade (Eduardo Moscovis) é um homem interiorano do estado das Minas Gerais. O ano é 1963, E Antonio vive viajando para sustentar a família. Religioso e sonhador, tem como norteador de vida a Bíblia e suas parábolas relativas a uma terra que mana leite e mel. Seu sonho é encontrar a “Evilah” (cidade sagrada) em que a paz e a justiça reine. A versão dessa história vem até nós através dos olhos de seu filho Nando (Davi Galdeano) que com seus 12 anos acompanha seu herói como quem contempla um D. Quixote. Nando deixa sua namoradinha no interior de Minas e vai com a família para Brasília. Lá seu pai encontra trabalho nas frentes de construções de Brasília e ele encontra Iara (Maju Souza) e a professora Iolanda (Adriana Lodi), que farão diferença em sua vida. E também muita injustiça social, muita carência de politização e um contexto propício para a semente da teologia da libertação ( que seria assim denominada a partir de 1968) e as ideias de Paulo Freire sobre a educação emancipadora. Enfim, um caldo efervescente para uma mudança política e social. O que acontece, nesse ínterim, é o golpe militar de 1964. E este, é visto pelos olhos de uma criança, como em “O Ano em que meus Pais Saíram de Férias” (2006) e contado por um diretor acostumado a abordagens políticas.
“O Outro Lado do Paraíso” é uma obra cinematográfica muito bem montada a partir de cenas reais inéditas dos arquivos do fotógrafo Jean Manzon do dia do golpe militar em Brasília e no Rio de Janeiro, e do documentário “Brasília – Contradições de uma Cidade Nova” (1968) de Joaquim Pedro de Andrade. Tem na direção de arte de Beto Grimaldi uma volta à Taguatinga de 50 anos atrás, através da construção da cidade cenográfica de 20.000 m² e da reconstituição do cenário das obras em Brasília por computação gráfica. A trilha sonora de Patrick Jongh usa trechos em vocalize de Milton Nascimento evocando as raízes mineiras de Antonio Trindade, tudo isso cheio de História e histórias.
O filme dirigido por André Rustim do documentário “Tempo de Resistência” (2003) e da ficção “Meu país” (2011), e roteirizado por Marcelo Müller de “Amanhã Nunca Mais” (2011) e “Infância Clandestina” (2011) e equipe, é uma viagem pela História do Brasil através da história da família de Antonio Trindade. Um painel dos aspectos políticos dos anos 60, de aspectos sociológicos da região sudeste na segunda metade do século XX, entrecortada pela teologia da libertação através do discurso de Padre Alberto (Murilo Grossi) e da ideias “freirianas” da alfabetizadora de adultos Marina (Stephanie de Jongh). Por tamanha tessitura de redes feitas de forma competente, o filme abocanhou prêmios nos festivais nacionais de Gramado e Brasília, e ainda, no Festival Latino-Americano de Trieste, na Itália; e o prêmio Radio Exterior de Espanha, por ter sido o longa-metragem da temporada que melhor refletiu a realidade latino-americana, na Catalunha.
A adaptação do livro de Luiz Fernando Emediato – o Nando, na ficção – que produziu o longa e que hoje é jornalista, escritor, e outrora sindicalista, é uma ode a educação para cidadania, uma oportunidade de refletirmos sobre intervenções na democracia e no estado democrático de direitos, um fomento a literatura política, eivado de simbologias espirituais e embalados por Milton Nascimento. Uma ópera mal tracejada pelo destino alinhavada com muita poesia e com o ardor e admiração de um filho que ao expor sua história dá honra a trajetória de vida de seu pai. “O Outro Lado do paraíso” é uma louvação ao amor filial, à desconstrução das ilusões e à manutenção da esperança. E o paraíso?…. O paraíso se constrói. Magnífico!
Deixar Um Comentário