O pequeno fugitivo (Little fugitive). (Drama/Família); Elenco:Richard Brewster, Winifred Cushing, Jay Williams; Diretores: Ray Ashley, Morris Engel, Ruth Orkin. USA, 1953. 80 Min.
No mesmo clima de temporadas de filmes clássicos ressuscitada por uma cadeia de cinemas no Brasil inteiro, ” O pequeno fugitivo ” de 1953 está de volta, e desta vez, no circuito como qualquer lançamento. O que isso pode significar ainda é cedo para dizer, mas que é uma ótima oportunidade para olhar para traz e apreciar a produção, o roteiro, e a mentalidade de outros idos, lá isso é.
O filme conta a história de um período de três dias, aproximadamente, na vida de Lennie(Richard Brewster). Um menino de sete anos que foge de casa e da polícia, achava ele, por ter matado o irmão numa brincadeira. Alvo das traquinagens do irmão mais velho e seus amigos por conta da diferença de idade, ele se vê na condição de fugitivo e parte para Coney Island e se refugia num parque de diversões. Uma verdadeira metáfora da vida. Lugar onde se escondem muitos perigos por trás do divertimento e onde Lennie aprende a sobreviver, pagar sua refeição diária, construir assertividade e a driblar os imprevistos do cotidiano. Morris Engles enche o filme de metáforas, o equilíbrio nos toneis e na sarjeta, o convívio com o vazio, os altos e baixos dos bancos da praia, a visão distorcida da realidade, o ver de cabeça para baixo (ao contrário) que era, exatamente, o que acontecia com a personagem.
Agora, em relação ao registro de uma época visto com cinquenta anos de distância é um primor. Pra quem já foi artigo de feira e legado às camadas iletradas, na época de seu surgimento, hoje, o cinema é içado oficialmente a documento histórico. Nele se desenha os indícios da tecnologia usada, do contexto político no qual estava inserido, é um veículo de discussão de questões mil, além de ser um registro da mentalidade de uma época, desde a de produção até o seu contexto de ficção. E nesse aspecto, “O pequeno fugitivo” tem muito a nos oferecer. Em sua constituição de registro de uma época, temos desde arquitetura de cidades pequenas, norte-americanas, até os carros da época, o costume dos banhistas daquele território, e também, no que se refere à moda, ao comportamento e ao que se pensava sobre esse comportamento e tantos outros.
O mais interessante, são os indícios do que uma sociedade pensava e sua atuação no que se constituía politicamente correto ou permitido. Por exemplo, crianças brincando com armas, embora os EUA tenha uma liberdade muito maior em relação ao assunto e isso seja até cultural, as imagens, se comparadas a mentalidade de hoje, chamam atenção. Na época era normalíssimo, hoje, nem tanto. Os cuidados ao tocar uma criança em cena – Como é visível em “Pelos olhos de Maisie” – é completamente diferente do que se vê no filme de Morris Engels.
Roteirizado, produzido e dirigido por Engel, o filme foi indicado ao Oscar de melhor roteiro original em 1954, ganhou o leão de prata no festival de Veneza em 1953 e mais quatro indicações para outros prêmios. Mas talvez o prêmio maior seja estar de volta ao circuito 51 anos depois de seu lançamento original. E ainda ter uma trilha sonora à base de uma gaita cromática que faz parte da história como uma personagem. Ela representa o irmão “morto” que Lennie carrega consigo e na trilha, as emoções do fugitivo. A fotografia é em preto e branco , uma opção, pois na época já existia o technicolor.
“O pequeno figitivo” é um trabalho belíssimo para quem tem olhos de ver e gosta de voltar no tempo de vez em quando.
- Primeira versão publicada originalmente no Almanaque Virtual
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