O Processo – Os Bastidores do Impeachment

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O Processo – Os Bastidores do Impeachment

Por | 2018-06-16T19:49:32-03:00 30 de maio de 2018|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

O Processo (The Trial) (Documentário); Participações: Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, Janaina Paschoal; Direção: Maria Augusta Ramos; Brasil, 2018. 100 Min.

Depois da série “O Mecanismo” de José Padilha, em que a manipulação da história é escancarada, entrando para os anais dos filmes de manipulação política e ideológica, entra em cartaz “O Processo”. O outro lado da moeda no sentido de se situar no oposto ao lado preconizado por Padilha e, em relação ao tipo de abordagem, primando pela não formação de opinião. Uma história contada com imagens de arquivo, sem condução narrativa em off e usando apenas o tempo e as informações estruturais sobre os eventos cobertos, pintando um mosaico linear muito bem feito em que são contempladas as falas e os protestos de ambos os lados, os da direita e os da esquerda da política brasileira. O longa é um painel da polaridade que o país vive hoje contando a história do processo de impeachment da então Presidenta da República Dilma Roussef.

A colcha de retalhos das imagens de arquivo começa na fatídica e teatral sessão da câmara dos deputados federais em que a abertura do processo de impeachment foi decidida. Continua com takes da sessão da comissão de constituição e justiça, dos protestos de ambos os lados, os batedores de panela  (verde amarelo) e os chamados mortadela (vermelhos), estes de esquerda e aqueles de direita. Contempla as falas de José Eduardo Cardozo (advogado da presidenta e as reuniões com sua equipe) e as de Janaína Paschoal, a cidadã que fez o requerimento do processo de Impeachment e seu bando, entre tantos outros de grande importância para o registro da História. O longa é um patchwork de retóricas que dá gosto de ver. A obra tem sua primorosidade na edição, que junta esses pedaços com coerência, referenciais de tempo e  informações que situam o espectador – como o tipo de reunião e o espaço em que esses eventos acontecem -.

Que o cinema é um espaço livre para múltiplos usos, já sabemos. Esse é o preço da liberdade da expressão. Durante a segunda Guerra Mundial – e até um pouco antes – o cinema foi utilizado como instrumento de propaganda nazista. Que  o diga “Triunfo da Vontade” (1935) dirigido pela cineasta Leni Rienfenstahl, que fomentou o antissemitismo, se tornando a vedete do III reich e que legou sua diretora ao limbo da História e ao ostracismo profissional. Aqui em terras brasileñas em que “se plantando tudo dá” nosso exemplo é a série de TV “O Mecanismo” que deturpa a origem da operação lava-jato, manipula discursos, colocando palavras da direita na boca de personagens da esquerda, subestima a inteligência do espectador colocando o delegado da polícia Federal Marco Ruffo (Selton Mello) se aposentando pelo INSS, numa seleção de público pouco inteligentes, ou chamando-os de tal. A série é um desserviço político que joga o competente diretor na lama dos profissionais de cinema que servem aos maniqueísmos ideológicos, entrando para o rodapé da História de forma nada nobre. Em “O Processo” não há condução de raciocínio ou manipulação direta com narrativas indutoras. Apenas a apresentação dos trechos importantes – segundo o crivo da diretora – de todo o processo do golpe parlamentar brasileiro. Para quem conhece os fatos a cola é magnífica, e para os despolitizados de plantão faz pensar. O que, provavelmente, é um dos objetivos do longa, além de denunciar para o mundo a hecatombe que atingiu o nosso país.

Maria Augusta Ramos é uma cineasta engajada, cujas obras cinematográficas são um primor de crítica social e denúncia, como: “Justiça” (2004); “Juízo” (2007); “Morro dos Prazeres” (2013) “Futuro Junho” (2015) e “Seca” (2015). Além de dirigir “O Processo” a cineasta também é responsável pelo seu argumento. Com forte cunho político e produzido por Leonardo Mecchi de “Obra” (2014), o documentário tem como cereja do bolo a edição assinada por Karen Akerman de “O Lobo Atrás da Porta” (2013) que faz uma montagem enxuta.

“O Processo” foi seleção oficial no Doc Fest Sheffield, HotDocs, Jerusalem Fim Festival e ganhou melhor documentário internacional no Documenta Madrid, o prêmio Silvestre e o do público no Indie Lisboa, melhor filme no Visons Du Réel e terceiro lugar na votação do público no festival de Berlim. O documentário de Maria Augusta Ramos é uma obra cujo os cem minutos são muito bem usados a serviço do enriquecimento e ampliação das redes de significações do espectador sobre o caos no qual está mergulhado o país e pinta um mosaico das relações de poder no Brasil. Imperdível!

 

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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