O Regresso

O Regresso

Por | 2018-06-17T00:16:58-03:00 4 de fevereiro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

O Regresso ( The Revenant) ( Aventura/Drama/Thriller); Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Forrest Goodluck, Will Poulter, Mellaw Nakenk’o; Direção: Alejandro González Iñárritu; USA, 2015. 156 Min.

Indicado, merecidamente, a 12 estatuetas na mais importante premiação do cinema mundial, “O Regresso”, do oscarizado Alejandro González Iñárritu é uma obra quase perfeita no uso dos aspectos cinematográficos: narrativa, atuações, uso da luz, uso de tecnologias atuais, edição, edição de som e efeitos especiais; na metaforização da interseção entre culturas (a indígena e a do homem branco), na abordagem dessa diversidade cultural e no zelo. O longa é uma disposição em camadas dos aspectos históricos, sociológicos, antropológicos e cinematográficos harmoniosamente distribuídos.

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A história baseia-se em fatos reais. É um momento na vida de Hugh Glass (1783-1833), um caçador americano e explorador de territórios. O ano é 1823. Sua história foi imortalizada em livros, poemas, filmes para TV e cinema, dentre eles “Fúria Selvagem” (1971) de Richard C. Sarafian. Dentre as versões disponíveis, a escolhida por Iñárritu foi a de Michael Punke, intitulada “O Regresso”. A história é ambientada na fronteira dos EUA com o Canadá, no território das nações indígenas Arikara e Pawnee. Nela Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) viveu com uma índia Pawnee  (Grace Dove) e teve um filho, Hawk (Forrest Goodluck). Nos combates com expedições de franceses Hugh Perde a mulher, foge com o filho e se junta a um grupo de caçadores que estão levando peles de animais para o Forte Kiowa. No meio do caminho Hugh é atacado por um urso e fica sem condições de prosseguir viagem. Então, o capitão Andrew Henry (Domhall Gleeson), responsável pelo grupamento, estabelece uma recompensa para quem ficar com Glass até sua morte e enterra-lo dignamente e,  só depois, rumar para o Forte. Ficam com Glass, John Fitzgerald (Tom Hardy) e Bridger (Will Poulter), que o abandonam à própria sorte. A história se desenrola a partir daí com a jornada debilitada de Hugh Glass para o Forte e depois seu retorno para vingar-se de John Fitzgerald.

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A magistralidade do longa-metragem está na forma de contar essa história, misturando as culturas e mostrando o locus da sua interseção – o afeto, a espiritualidade e a natureza -; no uso das técnicas artesanais e tecnológias – a luz natural e a tecnologia de captação de movimento, para as cenas com o urso  e algumas poucas outras cenas com outras tecnologias  – ; nas atuações de Leonardo DiCaprio e Tom Hardy que deram um show; no uso de metáforas imagéticas: os takes de empoderamento da natureza – de baixo para cima -; na imagetização do amor entre o homem branco e a índia Pawnee; na mistura das línguas, o pawnee, o inglês e o francês; na língua – orgão do corpo – que sente a natureza; na inserção do homem branco e do índio dentro dessa natureza juntos e iguais; e na trilha sonora que tem música indígena. “O Regresso” é uma mistura harmônica do homem com a natureza com toda a sua selvageria e delicadeza: na refeição crua, nas mortes violentas, no amor poetizado e no afeto contido em relação ao filho.

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Quanto às tecnicalidades, o filme deu trabalho e exala zelo. Filmado com luz natural – salvo a cena da fogueira que, por ter sido à noite precisou de luz artificial – o longa teve nove meses de filmagens e contou com um meteorologista de plantão. Aproveitando o horário ideal de luz para filmagens (1 hora por dia) e usando locações inóspitas e distantes entre si (Alberta, Canadá; Montana, EUA; Sierra Madre Ocidental, México; São Francisco Peaks, Arizona e Tierra Del Fuego, Argentina), o trabalho foi detalhista, primoroso e de formiguinha. A trilha sonora marca o retorno de Ryuichi Sakamoto aos grandes filmes depois de oscarizado por “O Último Imperador” (1987). A fotografia esplendorosa de Emmanuel Lubeski, oscarizado por “Gravidade” (2013) e “Birdman” (2014) e a edição precisa  de Estephan Mirrione, oscarizado por “Traffic” (2000). Leonardo DiCaprio, mais uma vez, se entrega inteiro de corpo e alma e saiu da dieta vegetariana para comer um fígado bovino cru, de verdade, e está soberbo em todos os sentidos.

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Mas, Alejandro González Iñárritu merece uma atenção especial. É um cineasta ousado que não tem reservas em relação a abordar subjetividades em imagens – essa linguagem de código aberto e passível de ‘N’ interpretações –  e mergulha fundo nas metáforas. Esse é seu estilo desde “Amores Brutos” (2000), no qual brinca com a linearidade do tempo e imbrica a natureza humana com a dos animais, ou; em “21 Gramas” (2003) no qual aborda a subjetividade das possíveis respostas às perguntas: Quanto pesa a alma? Quanto pesa o amor? Quanto pesa a culpa? Quanto pesa a vingança? misturando histórias num viés humano e espiritualista sem medo de ser feliz; Em “Babel” (2006) Iñárritu aborda o que há em comum entre pessoas de culturas diferentes – a necessidade do amor, da atenção, do reconhecimento, e do afeto -; em “Biutiful” (2010) a sobrevivência cotidiana, a morte como parte da vida e a espiritualidade andando de mãos dadas. Iñárritu tem como eixo principal em sua obra o abstrato, o fugidio, as subjetividades e trabalha tudo isso através de metáforas imagéticas brilhantes. E com “O Regresso” não foi diferente. O grande mote ficcional de uma história baseada em fatos reais foi a mistura cultural. A mensagem de que mesmo vindos de costumes diferentes e pertencendo a fenótipos distintos somos parte do mesmo nicho – a natureza – “somos todos selvagens”. A mistura das línguas, principalmente o pawnee, que atravessa o filme inteiro sendo seu fundo lingüístico/musical numa prece de proteção espetacular é o crème de la crème da mensagem de igualdade, acrescendo-se as cenas da refeição crua e da neve na língua (raras cenas de sorrisos).

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Por tudo isso, o filme já abocanhou mais de 40 prêmios e 124 indicações, dentre elas 12 só no Oscar, nas categorias: melhor filme, ator principal (Leonardo DiCaprio), ator coadjuvante (Tom Hardy), diretor, fotografia, edição, figurino, maquiagem, mixagem de som, edição de som, efeitos visuais e designer de produção. (recomenda-se assistir numa sala com excelente sistema de som). “O Regresso” mais que notabiliza a competência de uma equipe premiada e afinada e de um diretor que não foge de tema difícil. Em franca competição com “Mad Max: Estrada da Fúria” na categoria de melhor filme, a briga vai ser das grandes. “Mad Max” é outra obra de arte cinematográfica, principalmente em edição, e junta todos os outros aspectos brilhantemente ( história, narrativa, atuação, trilha sonora, som direto, metáforas e etc.), mas, “O Regresso” junta tudo isso de forma artesanal, com pouco uso de tecnologias e com um equilíbrio inteligente entre fatos reais e ficção. Trazendo uma mistura que sobrepõe camadas: histórica, sociológica e antropológica muito bem distribuídas. Além de ser um silencioso desagravo à cultura indígena mostrando um povo dizimado, mas inteligente, perspicaz, atuante e forte.

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O longa do mexicano Alejandro González Iñárritu é antes de mais nada uma experiência emocional. E é genial como obra cinematográfica, um trabalho, realmente, esplendoroso.

  • Fique com o documentário do filme e conheça a empreitada dessa obra cinematografica: (Aqui!)

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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