Obra

Por | 2015-08-29T21:12:17-03:00 29 de agosto de 2015|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Obra. (Drama); Elenco: Irandhir Santos, Julio Andrade, Sabrina Greve, Lola Peploe, Markus Ribas Marsol Ribeiro, Christiana Ubach; Direção: Gregório Graziosi; Brasil. 80 Min.

“Do pó viestes ao pó voltarás”

(Gênesis)

O primeiro longa metragem de Gregório Graziosi é uma poesia imagética que versa sobre uma obra, a do nosso corpo, através da metáfora da construção civil. O longa não tem uma história com começo, meio e fim e muito menos referenciais de tempo ou pontuações de enredo.  “Obra” é um desfile em preto e branco de eventos desconexos, cuja cola é a construção civil de um prédio, enquanto uma mulher (Lola Peploe) gera um bebê, o avô se entreva em uma cama e João Carlos (Irandhir Santos) sofre espasmos de travamento corporal, e todos têm como elemento em comum, a coluna.

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O chão das divagações é a construção civil da empreiteira Ribeiro de Almeida, em cujo terreno são encontradas ossadas, possivelmente, a metáfora da morte. A cidade de São Paulo é o painel de prédios/corpos em que alguns são viçosos e outros moribundos, alguns são implodidos e outros restaurados. No subsolo, o cemitério, o fim de tudo, os segredos escondidos de São Paulo, de todos nós, metaforizado num sítio arqueológico indígena. Na construção Ribeiro Almeida ossadas de alguéns/ninguéns, e a obra continua, a vida continua, em cima de todos os mistérios, a gestação continua, todo mundo ao longo da vida se entreva, resta saber se é uma obra a ser implodida ou restaurada. A diversão é subterrânea, lugar de segredos e silêncios de si. Para um prédio em construção a neblina, para um prédio pronto, nascido novo, o nascer do sol.

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Se em “Medianeiras” (2011), Gustavo Taretto faz uma analogia entre a arquitetura e o ser humano, relacionando as construções de Buenos Aires ao comportamento das pessoas, em “Obra” o prédio é próprio ser humano. O filme de Gregório Graziosi é poesia com concreto e cinza, um verso sombrio e lúgubre sobre a vida do nascimento à morte, uma viagem sobre a jornada de corpos através da arquitetura da cidade de  São Paulo, e é belíssima. O aspecto lúgubre dessa poesia imagética nos remete ao romantismo na sua fase de “mal do século”, com sua linha pesada e sombria. Mas o poema termina com um nascer de sol espetacular.

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Gregório Graziosi, além de dirigir também roteirizou o longa e teve como co-roteirista Paolo Gregori de “Corpo Presente”(2012) e como colaborador José Menezes, premiado com o melhor curta do Festival do Rio 2014 por “Barqueiro”. A fotografia é de André Brandão, e está soberba dando profundidade a abordagem, e foi premiada no Festival do Rio 2014. As atuações silenciosas e potentes de Irandhir Santos de “Permanência” (2014) e da atriz Lola Peploe de “A Rainha”(2006) e Júlio Andrade, (mestre de obras) de “Não Pare na Pista” (2014) não passam em brancas nuvens, é o lugar em que as expressões, os olhares e as pausas falam mais que os diálogos. O filme ainda recebeu o prêmio de melhor constituição artística no Festival de havana, o FIPRESCI de melhor filme latino americano e foi seleção oficial do TIFF (Toronto Internacional Film Festival).

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O filme “Obra” é taciturno, lento e reflexivo, tem uma trilha sonora incômoda que se coaduna com os sons da obra. É um cinema na linha poética de  Alvares de Azevedo, e como toda poesia é interpretada de diversas formas e de acordo com as redes de conhecimentos de cada um. “Obra” é tudo isso. Ou não.

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Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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