Orgulho e Preconceito e Zumbis (Pride and Prejudice and Zombies). (Ação/terror/Romance); Elenco: Lily James, Sam Riley, Sally Phillips, Charles Dance, Jack Huston; Direção: Burr Steers; USA/Reino Unido, 2016. 107 Min.
Jane Austen (1775-1817) deve estar se revirando no túmulo, ou não. Já George Romero de “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) não se pronunciou. Também pudera, o mais recente longa-metragem de Burr Steers de “A Estranha Família Igby” (2002) se propõe a ser uma espécie de paródia do filme adaptado de um dos romances de Jane Austen: “Orgulho e Preconceito”, com uma junção do universo zumbi. No que deu? Num pastelão/besteirol que merece um olhar mais demorado pelos questionamentos de alguns valores e pela superposição fanfarrona de camadas políticas.
Inspirado nos livros de Austen e Seth Grahame-Smith, tem como chão o filme “Orgulho e Preconceito” (2005) de John Wright, misturado com o mundo dos mortos-vivos com algumas repaginações. No universo do romance, as meninas trocam os bordados, a costura, os quitutes e a prataria por fuzis e espadas. E no universo zumbi, os mortos-vivos pensam, montam armadilhas, respondem perguntas e têm um representante na guarda-real ( o contexto é a Inglaterra do século XIX), que reivindica, junto à rainha Lady Catherine de Bourgh (Lena Headey) – que enxerga pela metade – subsídios reais para uma nova forma de alimentação dos zumbis que proporcionaria uma convivência pacífica entre os mortos-vivos e os humanos. Como se vê o ‘filminho’é muito mais do que aparenta.
O longa-metragem trata de abordar as premissas do seu título em enfoques separados: o orgulho masculino, o preconceito em relação às mulheres e o mundo zumbi com uma outra pegada ( inclusive metafórico-política) e tudo isso debaixo de muita piada com tiradas de pastelão. A primeira abordagem é de o quanto o orgulho masculino é prejudicial ao próprio homem, às suas relações e mostra suas fragilidades; a outra abordagem é sobre o preconceito em relação às mulheres que o próprio gênero romance cria quando fragiliza essa mulher. A desconstrução desse arquétipo se dá de forma imagética e dialógica ( mulheres lindas, bem vestidas, lustrando seus rifles, sabres, revólveres, espingardas e espadas na sala de casa, numa paródia a uma das cenas do filme que o inspirou), na fala das personagens quando dizem não trocariam suas espadas por um anel, dentre outras. E ainda, explicita o velho jargão de que ‘as mulheres sejam interesseiras’ quando situa o modelo social na qual as mulheres estão inseridas, na fala gritada da mãe: “quem vai sustentar vocês quando seu pai morrer” e mata a questão do casamento romântico quando coloca um dos pretendentes apaixonado pedindo a mão de uma da meninas, mas ele já está prometida, então ele pede a da segunda irmã, que também não pode, então ele parte para a terceira irmã. Na bordagem zumbi eles são uma classe, frequentam igrejas e têm organização social. E nessa mistura, a brincadeira é política, com negociações entre homens e mulheres pelo seu espaço de poder e de exercício de suas individualidades e subjetividades; e dos zumbis, de existirem, inclusive, se tornando parte da aristocracia. “Orgulho e Preconceito e Zumbis” é uma ode a desconstrução.
E a galera por trás do produto é um pessoal bom. O diretor de fotografia é Remi Odefarasin de “Match Point” (2005) de Woody Allen; a trilha sonora é de Fernando Velásquez de “A Colina Escarlate” (2015), que aliás, é o filme referência de “Orgulho e Preconceito e Zumbi” no que diz respeito á mistura de romance e terror e, à fotografia belíssima; a direção de arte é de Steve Carter de “Kingsman: Serviço Secreto” (2014) e a figurinista é Julian Day de “No Coração do Mar” (2015). Ou seja, bem embalado em papel de presente e para ganhar o vil metal, que ninguém é de ferro. Além de contar com Charles Dance – o Tywin Lannister de “Game of Thrones” e Jack Huston (George Wickham) de “Trem Noturno para Lisboa” (2013).
“Pride and Prejudice and Zombies” (no original) se mistura no caldo do romantismo, pega carona na onda de sucesso dos zumbis e é mais do que parece. Para quem se propõe a enxergar, debaixo desse angu de deboche com um estilo pastelão/besteirol tem caroço. Numa palavra? Surpreendente!
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