Os Belos Dias de Aranjuez

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Os Belos Dias de Aranjuez

Por | 2016-10-14T11:41:50-03:00 14 de outubro de 2016|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Os Belos Dias de Aranjuez (Les Beaux Jours d’Aranjuez) (Drama); Elenco: Reda Kateb, Sophie Semin. Jens Harzer; Direção: Wim Wenders; França/Alemanha/Portugal, 2016. 97 Min. #FestivalDoRio2016

A Alemanha e a Áustria são dois países em que a literatura, a filosofia e as artes em geral, juntamente, com a ciência são pilares caracterizadores de suas identidades como nação. Respira-se cultura erudita por todos os poros com dezenas de teatros, orquestras sinfônicas, museus e bibliotecas. Lugares de onde saíram nomes como: Mozart, Kafka, Kant, Marx, Murnal, Goethe e Brecht. No cinema alemão um dos nomes proeminentes da atualidade é o de Wim Wenders e na literatura e dramaturgia austríaca o de Peter Handke. Em “Os belos Dias de Aranjuez” os dois se juntam para contar uma história que tem essa pegada erudita e que traz essas marcas de identidade cultural alemã e austríaca numa obra blindada para o grande público. Mas de uma profundidade filosófica e textual admiráveis, além de corajosa. Já que se trata de cinema e do alcance sem controle desse suporte, num modo de produção capitalista em que a comercialidade é tudo. E é exatamente isso que o filme não tem, comercialidade.

Num povoado, no interior da França, tendo a silhueta de Paris como pano de fundo, um escritor tenta colocar uma história no papel, num processo lento de parir um contexto, personagens e diálogos. O formato é uma abordagem em forma de poesia e divagações abstratas entre um homem (Reda Kateb) e uma mulher (Sophie Semin). Um passeio em profundidade pela literatura e filosofia alemãs num emaranhado de questões sobre sexualidade, memórias de infância, a essência do verão, as diferenças entre homens e mulheres, tanto nas perspectivas das questões quanto na percepção.

O cerne da questão de “Les Beaux Jours d’Aranjuez” são a forma com a qual Win Wenders decide fazer as filmagens. Onde ele coloca a ênfase e a analogia que ele faz, a partir da tecnologia 3D. Com a Câmera Parada, num cenário que é o mesmo durante 97 min e enfatizando a profundidade do diálogo com seu conteúdo, com conexões com aspectos vários expostos em camadas, que vão das atuações em forma de declamação estática ao processo de criação desses personagens e ao questionamento sobre se eles são criados pelo escritor ou se criam o escritor.  Wim Wenders faz, ainda, um contraponto com a tecnologia de profundidade 3D numa comparação sutil entre conceitos de profundidade. Um, simplesmente, o cerne da vida, do pensamento e do movimento do mundo e como o vemos, o outro desnecessário, superficial, dissonante e inoquo. Um, subjetivo,  o outro, concreto e dispensável. Sem pirotecnias cinematográficas, Wim faz um filme com o cerne das relações humanas desde sempre, a conversa. O 3D só serviu para colocar o espectador dentro da cena, sentado ao lados dos personagens. Se ele tiver redes de significação para acompanhar os diálogos ele está inserido, senão, é puro engano. Essa sacada silenciosa para mostrar a superficialidade da modernidade é bárbara. Se fosse um filme comercial e de um diretor principiante poderíamos dizer que era uma jogada para angariar público. Mas o longa de Wenders com Handke  não se presta a isso e, em se tratando de dois monstros sagrados em suas áreas a inserção da tecnologia de ponta teve sua motivação no criticismo.

Os destaques vão para os Takes de uma Paris vazia ao meio-dia, pra lá de incomum e possivelmente, outra metáfora para o obra. As tomadas vão do centro de Paris para o interior da França, a abordagem segue a mesma direção em relação a indivíduo. E as atuações de Reda Kateb, sobrinho do renomeado escritor argelino Kateb Yacine e ator de teatro desde criança, e a mulher de Peter Handke, Sophie Semin estão soberbas.  Sem contar o grande prêmio de ter a  execução de “Into My Arms” de Nick Cave, pelo próprio ao piano em pêlo. Em tempo: Peter Handke também aparece, como jardineiro. O longa foi indicado ao Leão de Ouro do festival de Veneza, não levou, mas é currículo.

A junção de um dos grandes diretores de cinema europeu com o controverso escritor austríaco rendeu uma obra blindada para o público em geral, que não tem grandes pretensões comerciais e que traz muito da cultura erudita da região. Para quem tem filmes com gramática acessível ao grande público como “Paris, Texas” (1984) e o recente “Tudo Vai Ficar Bem” (2015) a linha dura do intelectualismo foi proposital. E o 3D, também. Para os fãs do cineasta e que têm o pé na cultura clássica está valendo.

  • Mostra Panorama do Cinema Mundial #FestRio2016

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

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