Por que Vivemos

Por que Vivemos

Por | 2018-06-17T01:12:40-03:00 8 de dezembro de 2017|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Por que Vivemos (Nazeiriku: NennyoShounin to Yozaki Enjou) (Animação); Elenco: Katsuyuki Konishi, Ayumi Fujimura, Hideyuki Tanaka, Takaaki Seki, Kotaro Satomi; Direção: Hideaki Oba; Japão, 2016. 87 Min.

O cinema sempre serviu, ao longo de sua História, como instrumento ideológico. Não necessariamente religioso, mas político. Como uma plataforma tecnológica livre, serviu para propaganda nazista, para  manipulações de massa em tempos de regime fechado no mundo inteiro e como ópio para distrair da realidade vil. De injeção de ânimos a anestésico alienante, o cinema, como qualquer invenção humana  serve a mais de um desígnio. Então não havemos de nos indignar quando temos uma animação japonesa que se presta ao objetivo de evangelização budista. No Japão ficou em cartaz durante 29 semanas, e sua primeira estreia no exterior é no Brasil. Se nos acostumamos, silenciosos e resignados aos filmes cristãos da semana da paixão, não é difícil aceitarmos o direito de uma religião oriental de versar sobre sua crença e fé. O que fizeram muito bem, diga-se de passagem.

A animação “Por que Vivemos” é uma metáfora da dicotomia humana, do paradoxo que nos condena à contradição, ao mesmo tempo que mostra que ainda temos salvação. A história se passa no período feudal japonês, no século XV e conta a trajetória do mestre Rennyo Shonin (1415-1499) e da salvação dos  Kyogyoshinsho (ensinamento, prática, fé e evolução), um clássico da literatura budista escrito por Shinran Shonin (1173-1262) de um incêndio no templo Yoshizaki em 1474. Inspirado no livro homônimo lançado no Brasil pela editora Satry, “Por que Vivemos” é uma jornada de autoconhecimento num animê planificado no estilo Studio Ghibli.

Dirigido por Hideaki Ôba, que fora aprendiz de Miyazaki, o longa-metragem traz os traços e os movimentos que lembram a técnica do studio. A história  é um pouco longa e arrastada, mas faz parte da própria resistência à velocidade da modernidade. Com roteiro de Kentesu Takamori de “You Were Born for a Reason: The Real Purpose of Life” (2006) e trilha sonora de Toru Hasebe, a animação populariza a trajetória do monge mestre Rennyo, que trouxe às massas, com seu carisma, a vertente budista da Verdadeira Terra Pura. A que mais tem adeptos no Japão.

A história é real. A estratégia é de aproximação do espectador através da ingenuidade dos traços do desenho, com uma animação rudimentar, se comparada às novas tecnologias. E ainda, contextualiza/conversa com os atravessamentos modernos do cotidiano e dos indícios dessa história. O templo Yoshizaki, hoje, é um pontos turísticos mais visitados no Japão por adeptos da religião oriental e seus admiradores.

Antagonizar a obra de Hideaki Oba com a fala mais óbvia que rechaça a mistura entre religião, ofícios e afins é cair no lugar comum. Pois fazemos o mesmo quando ovacionamos a história do Cristo na semana da paixão. Mas já que não dá para ser de tudo isento, vamos aceitar e torcer para um dia tenhamos também as religiões de matrizes africanas fazendo suas pregações. Até porque, abriu para um que se abra para todos. Cinema é território livre. A questão preocupante é o fundamentalismo, o fanatismo, a falta de limites. Mas isso não tem nada a ver com o cinema e sim com o humano. O longa japonês vale a pena ser visto, com sua história e seu nobre objetivo: amainar os conflitos internos e externos de encanantes incipientes, que somos todos nós.

 

Sobre o Autor:

Crítica cinematográfica, editora do site Cinema & Movimento, mestre em educação, professora de História e Filosofia e pesquisadora de cinema. Acredito no potencial do cinema para fomentar pensamento, informar, instigar curiosidades e ser um nicho rico para pesquisas, por serem registros de seus tempos em relação a indícios de mentalidades, nível tecnológico e momento histórico.

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