‘Praça Paris’ – o Rio de Janeiro no divã

>>‘Praça Paris’ – o Rio de Janeiro no divã

‘Praça Paris’ – o Rio de Janeiro no divã

Por | 2018-06-24T10:26:41-03:00 29 de abril de 2018|Crítica Cinematográfica|0 Comentários

Praça Paris (Drama); Elenco: Grace Passô, Joana de Verona, Babu Santana, Alex Brasil, Digão Ribeiro; Direção: Lucia Murat; Portugal/Argentina/Brasil, 2017. 110 Min.

O mais recente filme da documentarista Lúcia Murat traz a violência do Rio de Janeiro, suas diversas nuances e realidades, e o quanto essas violências penetram na vida psicológica e psíquica de seus cidadãos através da interferência direta em seus cotidianos.

Glória (Grace Passô) é uma ascensorista numa universidade pública que faz acompanhamento psicológico com uma psicóloga portuguesa, Camila (Joana de Verona) que veio fazer sanduíche de doutorado no Brasil para enriquecer sua tese. Glória é negra, moradora de comunidade, irmã de um traficante preso, Jonas (Alex Brasil) que foi vítima de violência doméstica durante sua infância e adolescência. Ela é afigura representativa dos excluídos, dos sem recursos – econômicos, culturais e de direitos sociais -, dos discriminados, dos sem saída. Camila é a figura que representa o outro lado da moeda: branca, classe média alta, com acesso a bens culturais, materiais e sociais. A partir desse mote são postos num painel o funcionamento das relações de poder nas comunidades e do agigantamento disso para o restante da cidade. O longa traz relatos de violência doméstica, urbana e psicológica desembocando num mosaico de fobias, psicoses e falta de liberdade para se decidir a própria vida.

A realidade exposta no filme “Praça paris” é o cotidiano das pessoas no Rio de Janeiro e de lugares onde o poder oficial deixa clareiras no exercício de suas atribuições. Os signos utilizados: a cidade, as praças, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, , o Morro da Providência são uma metáfora de suas proximidades geográficas e de suas distâncias sob os aspectos cultural, econômico e social. E nem por isso, todos deixam de ser atingidos pelas violências constantes naquela realidade citadina; todos são alcançados pelos tentáculos da sordidez humana e da ausência do poder oficial de proteção e segurança aos seus cidadãos.

Lucia Murat, conhecida por tocar em feridas que trazem questões polêmicas com muita competência, tem em “Praça Paris” uma narrativa bastante pertinente ao abordar várias camadas (a social, a étnica, a cultural e a econômica) costurados pelo viés da violência e suas diversas nuances. Diretora de obras como: “A Nação que Não Esperou por Deus” (2015); “Uma Longa Viagem” (2011) e “Olhar Estrangeiro” (2006) – todos documentários- tem no filme de ficção “Praça Paris” um registro cinematográfico eivado de relatos de experiências, numa história que, talvez, seja mais real do que os registros na modalidade de documentário.

“Praça Paris” em seus aspectos técnicos também não deixa a desejar. Estrelado por Grace Passô” de “O Roubo da Taça” (2016) e pela portuguesa  Joana de Verona de “As Mil e Uma Noites: Volume 2 – O desolado” dão um banho de atuação intimista, onde os silêncios dizem muito mais do que os diálogos, incitando e dando tempo às reflexões do espectador. Tem ainda na trilha sonora André Abujamra de “Carandiru” (2003) e “Bicho de Sete Cabeças” (2000) e Marcio Migro de “É Proibido Fumar” que trazem angústia e instigam o espectador através de suas composições. Na fotografia, o premiado cineasta argentino Guilhermo Nieto de  “La Luz Incidental” (2015) “Leonera” (2008). O roteiro ficou por conta do escritor Raphael Montes que traz todo esse emaranhado de questões muito bem elaborado. Ou seja, direção, roteiro, atuações e a parte técnica fecham redondinho num produto de qualidade comercial e de reflexão sobre as consequências da violência em geral na vida pessoal de indivíduos de uma sociedade.

O cinema Nacional tem crescido em qualidade técnica e de abordagem com uma ousadia e competência admiráveis. A  praça Paris existe de fato como logradouro na cidade do Rio de Janeiro, no bairro da Glória, que marca a fronteira entre o início da Zona Sul e o centro da cidade, separando, metaforicamente, as diferenças culturais, econômicas e outras, postas no longa. Se o título fosse “Beco sem Saída” também caberia, soaria procedente e se auto explicaria, mas penderia mais para um lado do que para outro, “Praça Paris” soa metafórico, chic e irônico. Vaticinando: angustiante, ousado e genial.

O logradouro Praça Paris no Rio de Janeiro

Sobre o Autor:

Editora do site Cinema & Movimento e crítica cinematográfica

Deixar Um Comentário