Redemoinho (Drama); Elenco: Julio Andrade, Irandhir Santos, Dira Paes, Cássia Kis Magro; Direção: José Luiz Villamarim; Brasil, 2016. 100 Min.
Não é a primeira vez que uma obra de Luiz Ruffato é adaptada para o cinema. Recentemente tivemos “Estive em Lisboa e Lembrei de Você”. Dessa vez a empreitada é em cima da pentatologia do autor intitulada “Inferno provisório”. Ambientado na terra natal de Ruffato – Cataguazes – “Redemoinho” é mais que uma simples viagem de memórias de infância de dois amigos que não se viam há muito. É um passeio pelo cotidiano do proletariado, pela vida do homem ordinário, seus valores, sua marca registrada como classe social. Enquanto versa, nas entrelinhas, sobre a continuidade desse ciclo vicioso que é a vida, não só através do roteiro como também pela sonoridade compostas de barulhos do dia-a-dia.
A história é um rosário de lembranças de dois amigos de infância que seguiram caminhos diferentes. Gildo (Júlio Andrade) foi para São Paulo, constituiu família, cercou-se de signos de sucesso. Luzimar (Irandhir Santos) ficou em Cataguazes, casou-se com Toninha (Dira Paes) e trabalha na fábrica de tecelagem da cidade. Um belo dia voltando de bicicleta de seu trabalho passa em frente à casa de D. Marta (Cássia Kis Magro), mãe de Gildo e avista o possante do amigo à porta, que por conta do natal e de algumas pendengas patrimoniais está de visita à Cidadezinha. Os dois encontram-se e através de conversas, sons e lembranças vão acertando contas com o passado. E assim a história vai se desenrolando em frente do espectador.
O roteirista George Moura ancorado na obra de Ruffato, mais especificamente o conto ‘Amigos’ do livro ‘O Mundo Inimigo”(um dos livros da série de cinco) traz toda a gama de signos pertencente à classe trabalhadora/operária, no que diz respeito aos indícios de sucesso, e trabalha nas entrelinhas com os valores morais desse homem comum: o bom e o mau caratismo; a consciência limpa e a consciência pesada; mulher de família/mulher da vida; a continuidade das escolhas como heranças silenciosas e a relatividade do conceito de felicidade.
É importante dizer que Luiz Ruffato é um dos expoentes recentes da literatura brasileira, responsável por inserir a classe operária na literatura. “Redemoinho” é um recorte da compilação de cinco obras que compõem o projeto “Inferno Provisório” que são: Mamma, son tanto felice; O mundo inimigo; Vista parcial da noite; O livro das impossibilidades e Domingos sem deus, que foram revisados, reescritos e reestruturados na edição única intitulada “Inferno Provisório” publicado pela Companhia das Letras. O que José Luiz Villamarim e George Moura fizeram foi adaptar um dos contos de um dos livros para a linguagem cinematográfica com todas as nuances presentes da pentatologia naquele espaço/tempo. Oriundo de novelas e séries de TV, Villamarim tem em “Redemoinho” seu primeiro longa-metragem para o cinema.
E por falar em experiência, a equipe de produção e de atores também merecem destaques. E eles vão para as interpretações de Irandhir Santos de “Aquarius” (2016), dentre tantos outros, e Júlio Andrade de “Maresia” (2016) e “Sob Pressão” (2016) que recebeu o prêmio de melhor ator pela atuação no Festival do Rio; a fotografia do reconhecido e premiado Walter Carvalho de “Uma Noite em Sampa” (2016) e a edição de arte de Marcos Pedroso de “Que Horas Ela Volta?” (2015). Mas o quesito que não pode deixar de ser mencionado é a trilha sonora do longa composta de ruídos do cotidiano da cidade: o apito e o barulhos do trem nos trilhos, das máquinas da tecelagem, da roda da bicicleta de Luzimar, da chuva e de um redemoinho intermitente que incomoda, que suscita a sensação de movimento sem sair do lugar e metáfora de ruído na comunicação na história. É pelos ouvidos que a história contada por Villamarim permeia o espectador numa tentativa de iça-lo ao mesmo patamar das imagens.
“Redemoinho” consegue com uma narrativa simples mostrar um leque de aspectos da vida do homem comum. E ainda, insere a reflexão sobre o sair e o ficar na terra natal relativizando o conceito de sucesso. José Luiz Villamarim, em seu primeiro longa, nos mostra que menos é mais e ainda abocanhou o Prêmio Especial do Juri no Festival do Rio. O filme é um belo representante dessa nova leva do Cinema Nacional.
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